terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Passado, presente e futuro

Há diversas formas de conhecermos os seres humanos. Uma delas é ver como que cada um vive em relação ao tempo. Algumas pessoas vivem no passado: umas através do saudosismo, em que só as coisas de antigamente é que eram boas, tudo no tempo delas era melhor, que o mundo atual está perdido, pois todos os bons valores de sua época se perderam ou foram deturpados; outras vivem no passado guardando e cultivando profundas mágoas de situações vividas, remoem ressentimentos, nutrem planos de vinganças, vivendo novamente as dores a cada vez que pensam ou alguém fala sobre o que aconteceu, verdadeiras prisioneiras do ontem que não se libertam para viver o hoje. Há os que vivem no futuro, apressados, impacientes, preocupados e ansiosos com o que vai lhes acontecer, antecipam o futuro, geralmente de maneira trágica, pessimista, imaginando sempre o pior, criando situações em pensamento, como se fossem verdades e sofrendo por antecipação. Não sabem esperar o futuro chegar sob a forma de presente. Poucas pessoas vivem no presente, vivenciando a realidade atual de forma intensa e concentrada, assumindo responsabilidades, erros, culpas e aproveitando a vida, degustando os frutos das vitórias obtidas. Assim, quem vive no passado precisa de asas para voar até o presente, e quem vive no futuro precisa de âncora para permanecer no presente. Qual é o tempo em que você vive?
Gilvan Almeida

sábado, 21 de janeiro de 2012

Plantão

Nunca gostei de dar plantão, do ambiente “de guerra” dos atendimentos de emergências. Na faculdade aprendi o básico das urgências e emergências clínicas e cirúrgicas no Pronto-socorro, e depois passei a me dedicar ao que mais me identifico dentro da Medicina: o atendimento não só à “doença do paciente” e sim ao “ser humano com sua doença”. Pedia aos colegas do plantão que quando chegassem casos de distúrbios psicológicos e somatizações (denominados pitis, na época), que encaminhassem para eu atender. Gostava de escutar os dramas e conflitos existenciais , que quase sempre estão por trás de tais casos, e vibrava quando conseguia propiciar o espaço para a pessoa desabafar toda a dor, melhorar e poder ir para casa, sem lançar mão de medicamentos psicotrópicos, que eram feitos rotineiramente, sem qualquer conversa anterior ou posterior à medicação.

Somente quando comecei a trabalhar em um Hospital Psiquiátrico, em 2006, é que realmente me identifiquei com o público-alvo e o tipo de trabalho que lá desenvolvemos, e passei a gostar de dar plantão.
São muitos os aprendizados que vivencio a cada plantão, tanto como médico quanto, e especialmente, como ser humano, no convívio com a realidade tão dura e sofrida do paciente psiquiátrico e suas famílias, reflexo da falta de prioridade das políticas de saúde pública para a área da saúde mental.
Encontrei e gostei muito desta imagem, pois mesmo gostando do plantão, há dias em que o desgaste físico e emocional é imenso. Às vezes, sinto-me assim como ela mostra. Mas me recupero e no próximo plantão estou novinho em folha.


Gilvan Almeida

sábado, 14 de janeiro de 2012

Amizade verdadeira

Quanto mais o tempo passa, mais vejo a importância dos amigos em nossa vida e, ao mesmo tempo, como são raros os amigos verdadeiros. Estou aprendendo a ver isso sem amargura, buscando compreender e aceitar as limitações de cada ser humano, a começar pelas minhas. A maioria é mesmo, e somente, colega de caminhada, e alguns somente em momentos em que as coisas estão claras e favoráveis. Fez-se uma sombrinha, algo ruim aconteceu, somem. Incrível, esta percepção de que na escuridão da dor e do sofrimento é que podemos enxergar melhor aqueles com quem podemos contar, o que considero verdadeiros amigos. Mas isso não é motivo para desacreditar no valor da amizade, só não é tão fácil encontrar, muito menos um milhão de amigos, como canta Roberto Carlos. A peneira do tempo, movimentada pelas mãos da realidade me faz hoje, ver que não sei dizer se tenho 10 amigos verdadeiros, sendo bem otimista. E, o que considero positivo, é que estou sofrendo bem menos por esta constatação, com menos amargura e pessimismo, e sem me tornar indiferente ou descrente. Continuo com os mesmos princípios que tinha, de ser um amigo de qualidade de quem quiser. Menos ingênuo agora, talvez, após algumas pauladas da vida, mas bem mais de acordo com o objetivo de ser “...um homem mais sincero e justo comigo...", como diz o poeta, pois antes eu buscava muito isto (ser sincero e justo) com os outros, e não percebia, ou não me valorizava o suficiente, para ter este mesmo cuidado comigo mesmo.
Gilvan Almeida

domingo, 8 de janeiro de 2012

A idade do arrependimento

“Daqui a alguns anos você estará mais arrependido pelas coisas que não fez do que pelas que fez. Então solte suas amarras. Afaste-se do porto seguro. Agarre o vento em suas velas. Explore. Sonhe. Descubra.”
Mark Twain

“Há noites que eu não posso dormir de remorso por tudo o que eu deixei de cometer.”
Mário Quintana

Sinto-me no alvorecer desta idade, que neste texto denominei A IDADE DO ARREPENDIMENTO, pois já me pego, em alguns momentos, questionando-me a inércia, o pouco caso para com algumas coisas que eu queria e fui deixando para depois, ou não lutei com as forças que seriam necessárias para concretizar. Tantos limites auto-impostos, que de alguma forma talvez até me trouxeram menos sofrimento, mas que deixaram um sabor de frustração. Mas acredito que não haja adulto que chegue aos 50 anos e não sinta isso, e procuro entender como uma frustração natural e não como mais um drama para ficar curtindo. Reflexões da pré-3ª idade, como os poetas Mark Twain e Mário Quintana sintetizaram nestas frases acima. O primeiro alerta, previne, incentiva, mostrando que ainda há tempo, que é preciso fazer mais por si, sem se sentir egoísta. O segundo já se pega em pleno remorso de não ter vivido, de ver que já não há mais tempo para viver determinadas coisas, e é sincero e conformado com o próprio fracasso, reconhecendo que viu o tempo passar, a velhice chegar e deixou de viver algo que agora se arrepende.
Há um ano reencontrei-me com uma amiga da Faculdade. Aliás, ela me encontrou, através da internet. 30 anos se passaram e, neste reencontro, nossas conversas de atualização têm mostrado que algumas realidades esmagaram muitos dos nossos sonhos. Apesar de sabermos que não há pessoa que faça tudo o que sonha e o quer para si e para o seu próximo, não dá para esconder de nós mesmos que a amargura tomou um espaço indevido em nossos corações. E isso trouxe um preço a pagar: as dores do físico e do existencial.
Quando jovem pouco se sabe que a vida futura será composta de tanta luta, da abdicação de tantos desejos, do empenho de nossas forças em trabalhos nem sempre saudáveis ou alimentadores de bem-estar, de frustrações que adoecem. A maioria dos planos revolucionários de salvar o mundo, que efervesceram em nossa juventude, vão por água abaixo, e essa transição do idealismo juvenil para o realismo da maturidade é doloroso para a maioria, e nem sempre, ou melhor, quase nunca, há o equilíbrio suficiente para fazê-la de forma harmônica.
Uma amiga da Bahia mandou-me umas reflexões de um amigo, que gostei muito e encaminhei para esta amiga da Faculdade. Mantivemos um diálogo. Selecionei uns trechos para enriquecer esta minha reflexão.


Gilvan Almeida

“....A vida é definida de muitos modos. É também um funil. No início, no meu caso, havia uma família extensa, gigantesca. Criança na fazenda, corria entre dezenas de tios - assentados nos bancos era um sem fim de pernas. Minha mãe tinha 16 irmãos. Aquelas táboas largas no chão. Os primos eram 143. Depois os ciclos escolares, todos grupais. Os amigos da rua, a tchurma de adolescentes. A faculdade radical e festiva, ainda grupal. Depois disto começou (e começa para todos) o segundo ciclo da existência. Onde os amigos lentamente minguam. Uns vão para longe, outros tornam-se irreconhecíveis. Em consequência deixam de ser amigos. Há os que concluem que este tal sicrano é desinteressante. E a morte se manifesta; leva um de acidente. Beltrano parte antes da hora. Quase todos morrem de cancer, por comer agrotóxico a cada dia. As vezes novas amizades são cimentadas. Algumas ficam, outras são fugazes. E lá vamos nós ficando sozinhos. Não adianta espernear. O melhor é cultivar os amigos que perduram e não alimentar muitas ilusões. Há que bastar-se.Trabalhar para bem dormir. Alimentar o intelecto, ou, se prefere, a alma. Observar a natureza. Ter paz e força interior. Os amores chegam, se instalam e passam como os carnavais. Fazer o quê? Ficam lembranças e fotos. Ser sozinho é quase inevitável. Não sofro com isto. Na verdade moro só mas não me sinto sozinho..." O amigo de minha amiga

- É Gilvan, essa pessoa conseguiu verbalizar os sentimentos que muitas vezes assolam meus pensamentos. Saudades de um tempo que eu " Devia ter amado mais, Ter chorado mais, Ter visto o sol nascer. Devia ter arriscado mais, E até errado mais, Ter feito o que eu queria fazer...” Você como sempre tocando na ferida. Obrigada por ser sempre meu amigo, mesmo distante. Graças à internet, essa tecnologia com prós e contra.
H

-Acredito que chegamos à idade do arrependimento, só que agora é o arrependimento do que não fizemos, como bem diz a letra da música Epitáfio: "...devia ter ..." Tempo em que avaliamos o que valeu e o que não valeu a pena termos sacrificado nosso tempo, nossa saúde, nosso bem estar e até mesmo dos nossos sonhos. O aspecto mais importante que venho procurando me adequar é viver este "acerto de contas existencial", sem amargura, com o mínimo possível de drama, de tristeza, procurando ser justo não só com os outros, quanto à repartição das culpas pelo que não deu certo e das vitórias conseguidas, ao mesmo tempo em que vejo o que ainda posso fazer por mim, para mim, sem me sentir egoísta.
Lembrei agora, H, de um trecho da estória do Patinho feio, que ganhei em LP, no 1º ano primário, por ter sido o melhor aluno do colégio. Há um momento em que o patinho, já cisne, volta ao galinheiro, à procura da mãe, e em um diálogo, todo rimado, responde ao galo:
"...isso agora não importa,
pois o que passou passou,
eu aqui estou para ver,
a pata que me chocou."
É isso minha amiga, o patinho tinha entendido e superado as dificuldades e os sofrimentos que viveu, e é esse o aprendizado que devemos fazer para nos desvencilharmos do passado incômodo, tarefa muito difícil para alguns (muito para mim), transmutarmos o que tanto nos machucou e ainda insiste em se manter, através das mágoas, ressentimentos, amarguras e tristezas, abrindo espaço em nossos corações para os doces frutos gerados, a paz que o controle dos desejos alimenta. Não ficarmos na vida que ainda nos resta como um “museu de sofrimentos”.