Gilvan Almeida
O GAFANHOTO
Conta-se, mas Allah sabe mais, que há muitos e muitos anos vivia no oásis de Bukra um povo cuja bondade nem o tempo conseguia medir. Esse povo era guardião do Kitab-ul-Kutub (Livro dos Livros) que deveria servir de guia para a humanidade e de forma alguma poderia cair em mãos erradas, sob o risco de despertar o Incontrolável. Na capa, letras circundavam a figura de um gafanhoto onde se lia:
"Ser humano é entender que a
Diversidade leva à unidade,
Que a unidade leva à solidariedade,
Que a solidariedade leva à igualdade,
Que a igualdade leva à liberdade,
Que a liberdade leva à diversidade."
Nas páginas internas, desenhos de animais vinham acompanhados de parábolas. A do cavalo dizia: "Vivemos num eterno círculo, onde as retas não têm fim"; a do camelo apregoava: "Impossível e nunca são palavras que não devem ser pronunciadas porque a natureza humana não suporta limites"; a da gazela ensinava: "A sabedoria é como a água, quem não tem sede não sente prazer em beber"; a da águia alertava: "Nenhuma coisa pode ser vista se não se souber como vê-la"; a do touro lamentava: "Quem pensa somente no futuro é um insensato; afinal, o que o futuro lhe trouxe?"; a do escorpião instruía: "Fuja do hábito ou ele acabará anulando sua vida"; a da serpente proclamava: "Imortal, a humanidade jamais terá fim, pois Deus precisa do homem para existir".
Na página central, ao lado da imagem do gafanhoto, um texto esclarecia: "O gafanhoto reúne a natureza e a forma dos sete viventes primordiais. Tem a cabeça do cavalo, o pescoço do touro, as asas da águia, os pés do camelo, a cauda da serpente, o ventre do escorpião e os chifres da gazela. Se você chegou até aqui e não entendeu a mensagem, não prossiga. Observe e aprenda que os animais são mais generosos que os homens, pois nunca se viu um leão escravo de outro leão, nem cavalo de outro cavalo". Não se sabe o que aconteceu com o povo de Bukra nem com o livro. Beduínos da tribo dos Bani-Nujum deixaram relatos de que eles teriam se ocultado para proteger o livro do Al-Dajal, trazido pelo vento norte. E que um dia reapareceriam para que a humanidade pudesse entender o significado do círculo.
O SENTIDO DA VIDA
No Oásis de Bukra dizem que somos imortais. Que essa é a razão do sentido da vida. E quem tem dúvidas que consulte o Kitab-ul-Kutub. A cada linha do Livro dos Livros um novo mundo se abre.É um livro único, definitivo. Nenhuma palavra superficial, nenhuma linha inútil, nenhuma página dispensável. Até mesmo para a questão que sempre intrigou a humanidade a resposta é clara e concisa. “O sentido da vida é a liberdade plena. Que você só vai alcançá-la quando se libertar do invólucro. O invólucro é o seu corpo. À liberdade do invólucro dá-se erroneamente o nome de morte. São dois cordões umbilicais que acompanham o vivente. Quando ele chega e quando parte. Um é visível, o outro também é, mas poucos conseguem vê-lo. Não se esqueça que o pior cego é aquele que vê, mas não enxerga”. Não sei se todos concordam, mas o que posso dizer é que as três mil e seiscentas páginas que consultei (não consegui chegar ao final do livro, pois me pareceu que o número de páginas é infinito) me transportaram para lugares incríveis que jamais havia sequer imaginado. Espero um dia conseguir terminá-lo, mas creio que isso somente será possível quando atingir a imortalidade. Ao fechar o Livro uma página ficou dobrada. Ao reabri-lo uma frase saltou aos meus olhos:
“Um mudo sensato vale mais do que um tolo que fala”...
Georges Bourdoukan é jornalista e escritor, autor de A incrível e fascinante história do capitão mouro, O peregrino, Vozes do deserto e O apocalipse.
Blog: http://blogdobourdoukan.blogspot.com/
Revista Caros Amigos: http://carosamigos.terra.com.br/
Um comentário:
Gilvan,mais um post seu que aprecio.Tenho alguns arquivos sobre "O Livro dos Livros",leitura que muito me interessa e incita.Melhor ainda compartilhar o que nos apraz,coisa nem sempre possivel de se fazer.
Gostei demais.
Abço
Faide
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