quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Qual é a sua identidade?

Para Gladys:

Às vezes anoto o que ouço ou leio e que toca o meu coração: frases, trechos de músicas, pensamentos, ditados populares, provérbios, etc. Quando criança eu gostava de colecionar álbum de figurinhas, petecas (bolas de gude), revistas de esporte, etc. Um dia desses descobri que agora eu sou um colecionador de palavras. Tenho diversos arquivos relacionados a isto. Depois que comecei a criar mais coragem e a me expor através da escrita, procuro fazer algumas vezes, como um dia vi a escritora Lygia Fagundes Telles dizer que faz: ela pega uma palavra ou uma frase, coloca em um “anzol”, lança em seu interior e vê o que consegue “pescar” em seus sentimentos e em suas memórias a respeito do assunto. Se algo for “pescado” ela escreve.
Em um dos debates durante o Festival de Cinema de Gramado gostei muito do que o cineasta Murilo Salles falou sobre a protagonista do seu filme Nome Próprio, que é uma mulher em busca de sua própria identidade: “... quando as pessoas morrem sem identidade, descobre-se a identidade delas buscando suas cicatrizes...”
Fiz o que a Lygia me ensinou e consegui “pescar” o que escrevi abaixo:

Qual é a sua identidade?

Sou um ser humano em busca de uma identidade, de algo que me diga verdadeiramente quem eu sou, o que penso, o que sinto, o que gosto e o que quero, independente do que os outros pensam a meu respeito ou do que querem e esperam de mim. Simplesmente por mim mesmo.
Quantos já têm este conhecimento? Você tem?
Qual é a sua identidade? Será esta visível a todos, ou será aquela guardada a sete chaves, e que muito dela não é nem mesmo conhecida por você? Ou você nunca pensou nisto?
Qual será a mais verdadeira das suas facetas psicológicas e comportamentais, a sua verdadeira essência? Ou você prefere não ver pois sofre muito com este doloroso encontro?
Um poeta disse que as cicatrizes de um ser humano podem nos conduzir à sua identidade. Você consegue identificar as suas cicatrizes? Cada uma delas marca no físico um acontecimento, uma dor. Estas são fáceis de serem identificadas, lembrando facilmente como e porquê aconteceram. Já as cicatrizes dos sentimentos, nem sempre são visíveis, e muitas vezes até fugimos delas ou até mesmo fingimos que elas não existem. Você consegue identificar quais foram as feridas, quem as fez ou porque aconteceram? O que você fez ou ainda faz com os sentimentos gerados no momento inicial da dor? E como estão as dores e os sentimentos agora? Quais as feridas que ainda não cicatrizaram completamente, bastando determinadas lembranças para que reabram? Qual a sua responsabilidade para que a cura ainda não tenha acontecido? Por que você ainda insiste em não permitir esta cicatrização? Por que alimenta as feridas no cultivo cotidiano das mágoas ainda tão fortemente presentes em seu coração, como se tudo tivesse acontecido ontem e não há tanto tempo?
É, precisamos aprender mais a nos libertar, a deixar morrer o que nos sufoca e nos aprisiona, que tira nossa alegria, e fazer como a semente, que para um dia poder voltar a ser flor e fruto, precisa deixar-se morrer, para que brote de dentro de si o novo, a vida e a esperança.
(Escrito no Aeroporto de Porto Alegre, enquanto aguardava o vôo para Brasília e Rio Branco.)