quarta-feira, 25 de abril de 2012

Edgar Allan Poe

Mandei este poema para algumas amigas estranhas que tenho, figuras algo próximas ao que descrevi no post Gente Estranha - http://www.gilvanalmeida.blogspot.com.br/2010/10/gente-estranha.html  

Queridas ETs (é assim que eu as trato): Já tinha ouvido falar e lido um pouco a respeito do poeta Edgar Allan Poe, mas nunca havia lido nada escrito por ele. Hoje estou tendo este prazer e pensei em compartilhar com vocês. Diz algo de mim. E de vocês também....risos
abs
Gilvan



Não fui, na infância, como os outros
e nunca vi como outros viam.
Minhas paixões eu não podia
tirar de fonte igual à deles;
e era outra a origem da tristeza,
e era outro o canto, que acordava
o coração para a alegria.
Tudo o que amei, amei sozinho.
Assim, na minha infância, na alva
da tormentosa vida, ergueu-se,
no bem, no mal, de cada abismo,
a encadear-me, o meu mistério.
Veio dos rios, veio da fonte,
da rubra escarpa da montanha,
do sol, que todo me envolvia
em outonais clarões dourados;
e dos relâmpagos vermelhos
que o céu inteiro incendiavam;
e do trovão, da tempestade,
daquela nuvem que se alteava,
só, no amplo azul do céu puríssimo,
como um demônio, ante meus olhos.

Uma delas respondeu:
Amigo Gilvan, Que lindo! diz "muito" de mim, também. É tão próximo do nosso mundo de ETs (adoro esse clube... e minha inclusão me causou sentimento de gratidão). E pois! Allan Poe (que conheço, também, muito pouquinho), fez partes de minhas curiosidades como contista. Achei algumas semelhanças (nos seus contos) com o nosso grande Machado de Assis, no sentido de fazer suas narrativas na primeira pessoa (procurei estudá-lo em alguns dos meus momentos de buscas). Além do que, sua leitura muito me instiga por transitar entre a lucidez e a loucura. Para mim um ponto de vista muito interessante nesse "admirável mundo louco", em que muito loucos são tidos com sãos, e muitos sãos tidos como loucos. "Mais louco é quem me diz que não é feliz... e eu sou feliz". Não fui, na infância, como os outros e nunca vi como outros viam. Até hoje me vejo/sinto tão diferente dos "comuns" (será que vivo na infância eterna, rs?). abraços fraternos.
OMM
PS: diga para a V que todas as palavras que ela enviou estão guardadas no meu relicário de boas coisas, boas pessoas, jóias raras...agradeço e mando beijos.

Edgar Allan Poe (Boston, 19 de janeiro de 1809 – Baltimore, 7 de outubro de 1849 foi um escritor, poeta, romancista, crítico literário e editor estado-unidense. Poe é considerado, juntamente com Jules Verne, um dos precursores da literatura de ficção científica e fantástica modernas. Algumas das suas novelas, como The Murders in the Rue Morgue (Os Crimes da Rua Morgue - editado pela primeira vez na revista Graham's Magazine), The Purloined Letter (A Carta Roubada) e The Mystery of Marie Roget (O Mistério de Maria Roget), figuram entre as primeiras obras reconhecidas como policiais, e, de acordo com muitos, as suas obras marcam o início da verdadeira literatura norte-americana.
Leia mais em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edgar_Allan_Poe  

Mais alguns pensamentos dele:
-Tudo o que vemos ou parecemos não passa de um sonho dentro de um sonho.
-Para se ser feliz até um certo ponto é preciso ter-se sofrido até esse mesmo ponto.
-Não é na ciência que está a felicidade, mas na aquisição da ciência.
-Quem sonha de dia tem consciência de muitas coisas que escapam a quem sonha só de noite.
-É de se apostar que toda idéia pública, toda convenção aceita seja uma tolice, pois se tornou conveniente à maioria.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Sexta feira poética

Copiei esta idéia do excelente blog Caquis Caídos - http://caquiscaidosblog.wordpress.com/ , infelizmente concluído em 28.01.2012. (mas ainda disponível para leitura), que aos sábados publicava poesias. Como gosto muito das sextas feiras, vou chamar Sexta feira Poética; um espaço onde compartilharei poesias e pequenos textos que gosto.
Inicio com o poeta Junqueira Freire (1832 – 1855), baiano de saúde frágil, que em seus breves 23 anos de vida, deixou-nos um belo legado poético.

Gilvan Almeida

Louco (Hora de Delírio)
Junqueira Freire

Não, não é louco.
O espírito somente é que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre,
aproxima-se mais à essência etérea.

Achou pequeno o cérebro que o tinha:
suas idéias não cabiam nele;
seu corpo é que lutou contra sua alma,
e nessa luta foi vencido aquele.

Foi uma repulsão de dois contrários,
foi um duelo, na verdade, insano,
foi um choque de agentes poderosos:
foi o divino a combater com o humano.

Agora está mais livre. Algum atilho
soltou-se-lhe o nó da inteligência;
quebrou-se o anel dessa prisão de carne,
entrou agora em sua própria essência.

Agora é mais espírito que corpo,
agora é mais um ente lá de cima;
é mais, é mais que um homem vão de barro:
é um anjo de Deus, que Deus anima.

Agora, sim — o espírito mais livre
pode subir às regiões supernas:
pode, ao descer, anunciar aos homens
as palavras de Deus, também eternas.

E vós, almas terrenas, que a matéria
os sufocou ou reduziu a pouco,
não lhe entendeis, por isso, as frases santas.
E zombando o chamais, portanto: - um louco!

Não, não é louco. O espírito somente
é que quebrou-lhe um elo da matéria.
Pensa melhor que vós, pensa mais livre.
Aproxima-se mais à essência etérea.

Bibliografia - Obras:
Inspirações do claustro (1855); Elementos de retórica nacional (1869); Obras, edição crítica por Roberto Alvim, 3 vols. (1944); Junqueira Freire, org. por Antonio Carlos Vilaça (Coleção Nossos Clássicos, nº 66); Desespero na solidão, org. por Antonio Carlos Vilaça (1976); Obra poética de Junqueira Freire (1970).

terça-feira, 10 de abril de 2012

Thomas Mann: Morte em Veneza

Um dos motivos que peço a Deus uma longa, lúcida e saudável vida, é para ter tempo de ler todos os livros e autores que ainda não consegui ler. Não posso morrer sem ler Proust, Balzac, Marguerite Duras, James Joyce, Faulkner, Dante, Santo Agostinho, Flaubert, e tantos outros que planejo ler ainda nesta vida. Há muito queria conhecer o escritor alemão Thomas Mann, Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Vi o filme Morte em Veneza, produzido em 1971 e dirigido pelo cineasta italiano Luchino Visconti, baseado no livro Morte em Veneza, de Mann, gostei muito e cresceu mais ainda a vontade.
Quando, finalmente, li Morte em Veneza, fiquei admirado com o estilo do escritor, que, nesta obra, faz uma ode à beleza, à arte e ao amor. Entrou, para mim, no rol dos escritores que são verdadeiros artistas e escultores da palavra, à altura de Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Clarice Lispector, Oscar Wilde, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marquez e outros “deuses” que estão em “meu” Monte Olimpo da literatura.

Vejam alguns trechos do livro:

-“(...) As observações e as vivências do solitário calado são ao mesmo tempo mais difusas e intensas do que as dos seres sociáveis, seus pensamentos, mais graves, mais fantasiosos e sempre marcados por um laivo de tristeza. Imagens e impressões que facilmente seriam esquecidas com um olhar, um sorriso, uma troca de opiniões ocupam-no mais do que o devido, aprofundam-se no silêncio, ganham significado, transformam-se em vivência, aventura, sentimento. A solidão engendra o original, o belo ousado e surpreendente, o poema. Mas engendra também o inverso, o desmedido, o absurdo e o ilícito. (...)”
-“(...) a beleza, e apenas ela, é simultaneamente visível e enlevadora. Ela é a única forma ideal que percebemos por meio dos sentidos e que nossos sentidos podem suportar. Ou o que seria de nós se acaso o Divino, a Razão, a Virtude e a Verdade se dispusessem a aparecer aos nossos sentidos? Não iríamos sucumbir consumidos pela chama do Amor? (...)
-“(...) A suprema ventura do escritor é o pensamento capaz de tornar-se por inteiro sentimento, o sentimento capaz de tornar-se por inteiro pensamento. (...)”

Olhem a descrição que Mann faz do personagem principal presenciando a aurora e o amanhecer, narrativa enriquecida de elementos de mitos gregos:

“ (...) sentava-se junto à janela aberta, para esperar o nascer do sol. O maravilhoso acontecimento enchia de veneração sua alma abençoada pelo sono. Céu, terra e mar jaziam ainda imersos na palidez vítrea, fantasmagórica, que precede o alvorecer; uma estrela devanescente pairava ainda no vazio. Mas um sopro, mensagem alada de paragens inacessíveis, vinha anunciar que Eos se erguia de junto de seu esposo e acontecia aquele primeiro e delicado enrubescer das faixas mais longínquas de céu e do mar, com o qual a criação principia a se desvelar aos sentidos. Aproximava-se a deusa raptora de adolescentes, que arrebatara consigo Clito e Céfalo e que, enfrentando a inveja de todo o Olimpo, desfrutava do amor do belo Órion. Lá na orla do mundo, um espargir de rosas desencadeava um luzir e florescer de encanto indescritível, nuvens infantis iluminadas, translúcidas, pairavam como Amores obsequiosos na névoa róseo-azulada; púrpura se derramava sobre o mar que com suas vagas ondulantes parecia espalhá-la por sua superfície; lanças douradas se lançavam no mar nas alturas do céu; o brilho incendiava-se silenciosamente, com plenipotência divina; erguia-se o turbilhão de brilho incandescente, ardor e labaredas flamejantes, e os corcéis sagrados de Apolo se elevavam acima do orbe terrestre, devorando o espaço com seus cascos impacientes. Iluminado pelo esplendor do deus, a sentinela solitária ali sentada fechava os olhos, deixando que a glória lhe beijasse as pálpebras. Sentimentos antigos, deliciosos tormentos de um coração juvenil, que haviam se extinguido em meio à severa labuta de sua vida e que ressurgiam agora tão estranhamente transfigurados – ele os reconhecia com um sorriso embaraçado e admirado. Cismava, sonhava, seus lábios lentamente articulavam um nome e, ainda sorrindo, o rosto voltado para o céu, as mãos enlaçadas no colo, adormecia de novo em sua poltrona.(...)

Indico-lhes o filme e o livro.

Gilvan Almeida

domingo, 1 de abril de 2012

Clarice Lispector e as dores do mundo

"Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava."
Clarice Lispector

Ainda não conhecia este pensamento dela. Impactou-me positivamente e fez crescer minha compreensão sobre os transtornos mentais, aliás, sobre os seres humanos. Todos somos, no mínimo, neuróticos, não é mesmo? Já se assumem assim, ou ainda acham que são 100% normais?
Loucura é prisão ou liberdade? Depende do ângulo do olhar. Observemos nossa vida, nossa trajetória íntima, aquela que se esconde por trás de todas as máscaras que utilizamos, e que ao dormirmos os sonhos revelam. De tantas prisões já escapamos e de quantas ainda somos prisioneiros. Inúmeros refúgios buscamos, com o objetivo, nem sempre sabido, de sobrevivermos psicológica e emocionalmente ao que estávamos vivendo.
Muito além de viventes, nós somos sobreviventes mesmo. Refugiados das dores do corpo e da alma, lapeados pelos chicotes da incompreensão e do preconceito, da intolerância e do desamor, da fome de pão e carinho, estamos escapando, nem tanto como o poeta Cazuza diz “...estou sobrevivendo sem um arranhão...”, estamos sobrevivendo com muitos arranhões. Algumas feridas já cicatrizadas, outras ainda sangrando, à espera de atenção e cuidados.
Sem apoio, abandonados por amigos e inimigos, alguns não agüentam “a barra” e “piram”, fogem, consciente e inconscientemente, da realidade tão cruel e dolorosa.
Alguém pode até achar que estou sendo duro e amargo, que só escrevo sobre sofrimento, mas não estou. Não tenho dúvida de que a dor é companheira de viagem. Todos os grandes Mestres falam nela, da importância que elas têm para a vida e a evolução, chegando até mesmo a trazerem a compreensão de que quanto maior o conhecimento, maior a dor; quando não mais por si, pelo próximo. Assim, a vida é dor e sofrimento, embora não seja só isso. Graças a Deus. Temos também alguns momentos de alegria, paz e felicidade.
A dor e o sofrer são minhas principais matérias primas de trabalho. Lido com isso todos os dias e, sem poder parar para cuidar das minhas, vou fazendo o que posso para, ao mesmo tempo, cuidar de mim e de quem me procura com o objetivo de conhecer e tratar, na origem, os seus sofrimentos. Nesta procura/entrega, recebo às vezes e-mails inspirados nas próprias dores, relatos do fundo d'alma, como este a seguir.

Gilvan Almeida

“ Lí o seu texto e o dela (Clarice) – postagem no blog: http://www.gilvanalmeida.blogspot.com.br/2011/04/o-grito-de-clarice-lispector.html  ... Eu confesso-lhe que não grito. Ensinaram-me a tentar "dominar" a dor, desde pequena; a trincar os dentes, a sorrir "chorando" por dentro ... Em momentos de meditação já me flagrei chorando, as lágrimas caindo pelos cantos dos olhos, abundantemente, sem que eu pudesse contê-las e nem compreender porque aquilo estava acontecendo.
Recordo ouvir da minha avó a seguinte recomendação: "se você gritar, a dor vai lhe dominar. Domine a dor." É possível dominar a dor, Gilvan? Parece que sim, embora, às vezes, ela lhe trucide e deixe destroçada! Mas, tudo tem seu lado bom e seu lado ruim. Depende de que lado você está olhando as coisas.( ...) Eu fui "estraçalhada" pela dor em tantos pedaços, que fiquei transpassada. (...)
Lembra da música? "Ei dor, eu não te escuto mais, você não me leva a nada ... Ei medo, eu não te escuto mais, você não me leva a nada ..." Pois é. Nem dor, nem medo levam a nada. Ambos precisam ser enfrentados e vencidos.
A dor, realmente doída, é a da alma, embora eu seja intolerante a dor física. Essa eu grito mesmo, em algumas situações, se for necessário, porque não sou resistente a esse tipo de "dor", sou mole. Já aquela dor que você refere, eu não grito mais, eu a sufoco silenciosamente e dissipo-a nos meus afazeres cotidianos. Desde criança criei mecanismos para fugir do que me causava dor (abandono, desamor e solidão). Tenho uma natureza solitária. Aprendi a resistir, utilizando as minhas próprias forças. Nunca espero ajuda externa - de quem quer que seja. Só espero a ajuda de Deus - e ele nunca me deixou só. Você acha que esta altura da vida dá prá mudar isso em mim? Prá mim, tanto faz ... aprendi a me aceitar assim. risos.
Tenho absoluta dificuldade de falar de mim e das minhas dores. Elas me moldaram ao que sou. Me trabalho muito, para conviver bem comigo mesma. Para me aceitar e transformar, dentro do possível, o que precisa ser transformado. Convivo bem comigo. Gosto da minha companhia e, desculpe dizer, gosto muito de estar com os meus bichos. O que é vida bem vivida? O que é vida mal vivida? Pode-se ter como um parâmetro de vida bem vivida, a do Príncipe William e sua noiva Kate? Essa coisa de príncipe e princesa que o mundo põe na cabeça da gente ... rsrsrsrsrs ...
Mas, sendo bem sincera comigo, posso concluir que vivi MUITO a vida, passeei, andei, viajei, me diverti bastante, mas e hoje, me pergunto: minha vida é bem vivida ? Eu só trabalho, trabalho e trabalho. Os filhos crescidos, minha fonte de prazer, é o trabalho. Se me tirarem o trabalho, eu tenho o quê? - Meu trabalho é a minha "muleta" ... Boa reflexão você me trouxe. Preciso melhorar a QUALIDADE da minha vida!
Aguardo os desdobramentos dos seus estudos.”
C.