sábado, 24 de março de 2012

Identidade da obra

Encaminhei o e-mail abaixo para alguns amigos e amigas. Com um mantive um diálogo bem produtivo. Compartilho com vocês uns trechos da conversa. Pode ser que sirva para alguém mais.
Prezado(a)s:
Já há algum tempo estou fazendo um estudo sobre as relações entre os transtornos mentais e as artes, no momento com foco nas vidas e nas obras do poeta português Fernando Pessoa e do pintor holandês Van Gogh. Nesta viagem já fortaleci a seguinte compreensão: "Todo artista revela-se em sua obra, aliás, todo ser humano mostra aquilo que é, naquilo que faz."
Um domingo de claridade íntima.
Gilvan Almeida

“Qual é a minha obra? Estou tentando terminar um quadro chamado X (nome do amigo). Está só um esboço. E malfeito. O problema é que outros delinearam sua estrutura geral, e agora estou com enorme dificuldade de consertar ou trazer harmonia às cores e formas, e, às vezes, nem sei mesmo se devo fazer isso, já que não sei o que posso alterar sem perder a identidade da obra.
O que é bacana é que enquanto estou com esta peleja, já aprendi a respeitar e admirar quem, além de pintar um ótimo quadro de si mesmo, ainda deixa outra obra ao passar pela vida, como quadros, músicas, criações artísticas outras etc.”
X

(...) Então, meu amigo, é necessário um foco maior na identidade da obra. Quanto mais clareza a respeito dela, mais você saberá o que deve ou não ser alterado, em retiradas, acréscimos, reestruturações, manutenção ou mudanças nas cores (sentimentos), etc.
Gilvan

Foco na identidade da obra... ok. Você certa feita disse que eu tinha uma visão distorcida de mim mesmo, e acertou na mosca. Agora que o foco está começando a ficar um pouco mais limpo e claro, estou começando a "enxergar", a distinguir, e ainda de forma confusa, o que é imagem verdadeira e o que é da velha ficção, o que é desejo e o que é realidade. Enfim, nada de novo debaixo do céu.
Tenho tido melhoras. Por exemplo, meu pai está aqui, já há alguns dias, e (até agora) não adoeci: uma grande vitória, considerando que neste mesmo mês, no ano passado, em outro contato prolongado somatizei e fiquei doente. Alguns passos foram dados. Pequenos. Mas importantes.
Li seu post sobre filosofia e medicina ( http://www.gilvanalmeida.blogspot.com.br/2011/10/filosofia-e-medicina-sem-humanidade.html  ). Fiquei surpreso em saber que não há filosofia na grade curricular do curso de medicina.
X

Ainda sobre o foco na identidade da obra, pensei no que diz Jung, que o ser humano nasce original e morre cópia. Daí a pergunta básica (com desdobramentos) que me surgiu dentro de um auto-exame existencial: o que cada ser humano seria, sem a (des)educação que teve (familiar, escolar, cultural, política, religiosa)? Quais os potenciais irremediável ou parcialmente destruídos? O que sobrou então? Lembro agora que fiz um post com este tema, chamado Destinos abortados ( http://www.gilvanalmeida.blogspot.com.br/2010/06/destinos-abortados.html ). Continuando: Quais os valores impostos à minha essência, que originalmente não faziam parte dela? Quais os que reproduzo inconscientemente, que me fazem infeliz, insatisfeito? Meu Deus, quanto lixo energético e sentimental carregamos (com as doenças correspondentes). E o que reproduzimos e impomos às gerações seguintes: nossos filhos, fazendo com eles o mesmo que fizeram conosco, o mesmo que tanto criticamos em nossa criação?
Que bom, hoje em dia, poder fazer esta reflexão e não identificar mais, em meu coração, sinais de revolta ou mágoas contra meus pais. Simplesmente compreendê-los e amá-los do jeito que puderam ser, sabendo, hoje, que eles procuraram dar o melhor que tinham e sabiam.
Muito bom, também, saber de seus progressos, especialmente com relação ao maior discernimento entre o que é seu e o que é do seu pai, bem como ver você já perceber em seu sentimento o fruto que esta clareza traz, através do abrandamento da reatividade emocional e comportamental aos pensamentos e atitudes dele e, com isso, adoecendo menos. Muito bem, continue assim, sua coluna vertebral agradece. Aparelho digestivo também. risos.
Gilvan

sexta-feira, 16 de março de 2012

Agnódice: a primeira médica relatada na História

Arte em relevo. Agnódice: médica diante do Areópago. Medalhão exposto na nova Faculdade de Medicina (Paris)

Há na história da humanidade relatos orais e escritos sobre o aparecimento de homens e mulheres que revolucionaram suas épocas, questionando conceitos e verdades vigentes nos campos da política, das ciências materiais, da religião, dos mecanismos de poder socioeconômico e cultural e outros. Raros os que foram bem recebidos. Quase todos incompreendidos, especialmente pela classe dominante defensora da antiga verdade, muitos violentamente reprimidos e/ou mortos.
Só recentemente tomei conhecimento da existência de Agnódice e sua luta para exercer a Medicina. Defino-a como uma mulher fora de época, digna de minha admiração. Faço neste post uma homenagem a ela.

Gilvan Almeida

Agnódice ou Agnodike (IV a. C), a mais antiga mulher a ser mencionada pelos gregos, tencionava fortemente ser médica. Natural de Atenas, aonde havia proibição legal para mulheres estudarem medicina, Agnódice viajou a Roma a fim de aprender a fazer partos e, dedicando-se principalmente ao estudo da obstetrícia e da ginecologia, obteu conhecimentos básicos sobre a saúde da mulher.
Desejando voltar a seu país e nele colocar em prática os conhecimentos adquiridos em Roma, a solução para tornar-se impune foi radical: Agnódice voltou à Grécia com os cabelos curtos e travestida de homem, sentindo-se dessa forma segura para exercer a medicina.
Quando começou a atuar, com muito sucesso, atraiu muitos clientes, despertando assim o ciúme de outros médicos. Raivosos com Agnódice e acreditando que fosse realmente homem, eles a acusaram falsamente de estar praticando atos libidinosos com as pacientes.
Levada ao tribunal (areópago), ela tentou se defender da falsa acusação; porém, quando percebeu que seria condenada à morte, despiu-se diante do juiz e dos jurados. A atitude extrema causou em todos grande surpresa e comoção. Além disso, várias de suas pacientes declararam em frente ao templo que se ela fosse executada, iriam morrer com ela. O juiz reconheceu a injustiça que estava sendo cometida contra Agnódice, livrou-a da acusação e promulgou uma lei determinando que, a partir daquele momento, as mulheres teriam o direito de praticar a medicina na Grécia.
Graças à ousada e corajosa atitude de Agnódice, as mulheres hoje são maioria na profissão.

REFERÊNCIAS:
1.BEZERRA, Armando - "Admirável mundo médico: a arte na história da medicina" - Brasília, 2002
2.Greenhill, William Alexander (1867) - "Agnodice", in Smith, William, Dictionary of Greek and Roman Biography and Mythology, 1, Boston: Little, Brown and Company
3. Wikipédia: Agnodice
Fonte: http://medicineisart.blogspot.com/2011/02/agnodice-primeira-medica-relatada-na.html

sexta-feira, 9 de março de 2012

A verdade


Encaminhei um e-mail para alguns amigos e amigas, pois gostei muito deste pensamento de Vaclav Havel, ex-presidente da República Theca, neste mundo de tantos portadores exclusivos da verdade (como se dizem): “Tenha a companhia daqueles que buscam a verdade, e corra daqueles que a encontraram”.
Uma amiga respondeu assim, dentro do exame de vida que ela está fazendo:
“Aqueles que a encontraram, estão enganados porque não é possível encontrar a verdade? Encontrar a verdade significa sentir-se numa condição superior?
No meio de minhas buscas de encontrar essa tal famigerada "verdade" encontrei e tenho encontrado muitas ferramentas..., dentre elas pessoas, lugares, músicas, arte, livros, intuições..., mirações...
Cada vez que encontro algo que me preenche a alma, sinto que ainda há trilhões e trilhões de coisas para descobrir...
Minha última aquisição foi o livro "A escola dos Deuses". Tenho encontrado nele respostas que me parecem tão óbvias, algumas delas até já sabia, mas me encanta estar sempre sendo surpreendida!
Colocar em questão tudo que acredito e vivencio tem sido uma constância nessa vida minha sabe Gilvan?
As vezes parece que vivo num mundo a parte e tudo parece estar sempre inadequado, ou, parece que eu estou sempre inadequada...pois sempre acreditei que as verdades não são assim tão óbvias do ponto de vista material, sinto que o que realmente importa, a gente não consegue ver com esses olhos carnais (apesar deles abrirem os caminho...)
Estou, ou, estava num momento de muita dúvida com relação às crenças e sentimentos profundos, queria jogar tudo para o ar e mandar tudo o que sinto e que acreditava serem verdades pra puta que pariu, pois só existem no meu sentir e não se confirmavam na matéria...Daí esbarro num livro que me diz que o mundo do sonho é o que "realmente" é REAL!!!
Estou caminhando com ele (o livro citado) por agora... e tem me feito bem...e agora sem tantos medos busco aprender mais um pouco ou seria desaprender?”

A:

Entendo que a fuga que o pensamento se refere é daqueles que dizem ter encontrado a verdade absoluta. E veja como são tantos, hoje em dia. É só ligar a TV que vemos avatares encarnados iludindo incautos, novos vendedores de indulgências, pondo abaixo todo o belo trabalho que Martinho Lutero fez. Os templos estão cheios de ingênuos, pagando pela promessa de felicidade, dinheiro e saúde fáceis. É só pagar. Falsos profetas que dizem que o Jesus deles é muito mais Jesus que o Jesus dos outros. Detesto isso. Meu Jesus não está em templos de ouro, ele está lá no Hospital de Saúde Mental, na dor psíquica, na humilhação, na solidão e na fome que cada ser humano vive. E junto com Ele estão Buda, Maomé, Zoroastro, Khrisna, Mestre Gabriel, Ghandi, Madre Tereza de Calcutá, Mestre Irineu, e tantos outros seres que vieram nos lembrar do amor ao próximo como lei máxima e base da fraternidade e da união.
A capacidade humana ainda é muito limitada frente à grandeza da verdade, da Luz de Deus. Aguentamos muito pouco dela.
Que bom saber que você está em dúvida. Ótimo caldo de cultura para a gestação do novo, do que é seu mesmo, da depuração que se faz necessária para que haja o verdadeiro amadurecimento. Existe muito mais a conhecer. Somos principiantes, ainda no abc, e não é preciso jogar tudo para o alto. A hora é do aprimoramento do discernimento. Chegue-se, cada vez mais à humildade, ao reconhecimento de que não sabemos de nada, que a luz brilhará.
Complementando o tema, esta fábula mostra, de forma bem clara, a relatividade da verdade:

A verdadeira história dos cegos e o elefante

O que houve depois...

A história dos cegos e do elefante está disseminada por aí, em várias versões. Mas nenhuma conta o que aconteceu depois. Corrigimos isso a tempo, confira.

Era uma vez seis cegos à beira de uma estrada. Um dia, lá do fundo de sua escuridão, eles ouviram um alvoroço e perguntaram o que era.
Era um elefante passando e a multidão tumultuada atrás dele Os cegos não sabiam o que era um elefante e quiseram conhecê-lo.

Então o guia parou o animal e os cegos começaram a examiná-lo:
Apalparam, apalparam...Terminado o exame, os cegos começaram a conversar:

— Puxa! Que animal esquisito! Parece uma coluna coberta de pêlos!

— Você está doido? Coluna que nada! Elefante é um enorme abano, isto sim!

— Qual abano, colega! Você parece cego! Elefante é uma espada que quase me feriu!

— Nada de espada e nem de abano, nem de coluna. Elefante é uma corda, eu até puxei.

— De jeito nenhum! Elefante é uma enorme serpente que se enrola.

— Mas quanta invencionice! Então eu não vi bem? Elefante é uma grande montanha que se mexe.

E lá ficaram os seis cegos, à beira da estrada, discutindo partes do elefante. O tom da discussão foi crescendo, até que começaram a brigar, com tanta eficiência quanto quem não enxerga pode brigar, cada um querendo convencer os outros que sua percepção era a correta. Bem, um não participou da briga, porque estava imaginando se podia registrar os direitos da descoberta e calculando quanto podia ganhar com aquilo.

A certa altura, um dos cegos levou uma pancada na cabeça, a lente dos seus óculos escuros se quebrou ferindo seu olho esquerdo e, por algum desses mistérios da vida, ele recuperou a visão daquele olho. E vendo, olhou, e olhando, viu o elefante, compreendendo imediatamente tudo.

Dirigiu-se então aos outros para explicar que estavam errados, ele estava vendo e sabia como era o elefante. Buscou as melhores palavras que pudessem descrever o que vira, mas eles não acreditaram, e acabaram unidos para debochar e rir dele.

Morais da história:

Em terra de cego, quem tem um olho anda vendo coisas.

Quando algo é tido como verdade, o que é diferente parece mentira.

Problemas comuns unem.

Se você for falar sobre um bicho para uma pessoa que nunca viu um, melhor fazer com que ela o veja primeiro.

Virgílio Vasconcelos Vilela

Sobre texto adaptado de www.terravista.pt

abs

Gilvan Almeida
PS: A imagem - Álvaro Inri Cristo Thais (nascido em Indaial, no dia 22 de março de 1948) é um líder religioso que proclama ser a reencarnação de Jesus Cristo. (Wikipédia)


sexta-feira, 2 de março de 2012

Sofrimento psíquico

Uma das definições mais amplas e profundas que já encontrei sobre as dores psíquicas. Não há quem delas escape, poucos os que sabem abordá-las, acolhendo o doente com respeito e amor, e tantos à espera do bálsamo que traga a paz e a esperança.
Gilvan Almeida

"No registro dos sentimentos humanos, a dor psíquica é efetivamente o derradeiro afeto, a última crispação do eu desesperado, que se contrai para não naufragar no nada. Esse estado de dor extrema que perpassa o enlutado, essa mistura de esvaziamento do eu e de contração em imagem-lembrança, é a expressão de uma defesa, de um estremecimento de vida."
(J. D. Nasio, A Dor de Amar)