quarta-feira, 25 de maio de 2011

Juntar bugiganga tem significado?

Interessante este artigo que encontrei no site da Associação Brasileira de Psiquiatria, publicado pelo Jornal Folha de São Paulo, em 04.01.2011. Enquadrei-me direitinho, sem me considerar tão patológico. Risos. Aqui em casa fui “oficializado” como o responsável pelo que chamo “museu da família.” Tudo o que é coisa antiga encontrada, me dão para guardar. Gosto desse trabalho, das memórias, do significado afetivo das lembranças. Tenho desde cartões que meu pai deu para minha mãe, quando namoravam – 1953, até um conjunto de louças pintadas à mão, em porcelana, que eles ganharam no casamento, em 1954. Imaginem o que há de fotos, em papel e monóculos (Os mais antigos lembram o que é isso. Os mais novos podem conhecer na foto ao lado).
Dependendo da leitura e da interpretação, o comportamento de cada ser humano revela, em sua essência, o que cada um é. Compreender isto é fundamental pois, pelo meu modo (médico) de ver o processo saúde-doença, não só a herança familiar e o meio ambiente predispõem às doenças, a forma de ser do indivíduo também é determinante para a forma dele adoecer, como também para se curar. Faço a seguinte síntese: “Cada um adoece pelo que é.”
Olhando por este prisma, o que pode então significar esta característica de “guardar objetos”? Um ponto comum que já identifiquei entre as pessoas guardadoras que conheço, é que elas costumam também “guardar sentimentos”, possuindo facilidade para se sentirem ofendidas, magoadas, preocupadas, com dificuldade para se desvencilharem de pensamentos a respeito de temas que as incomodam. Elas freqüentemente ocultam suas raivas, tristezas e decepções da vida.
Também já vi que “o guardar” pode revelar doses de insegurança e ansiedade quanto ao futuro, e, até mesmo, medo de pobreza e de passar necessidades. Guardam para se sentirem seguros, com a certeza de que, caso necessitem, terão.
E o estudo continua...



Gilvan Almeida

PS: Para dar início ao trabalho de desapego e libertação há boas dicas, na conclusão do texto.

Juntar bugiganga demais pode ser sintoma de TOC ou depressão

Isso explica os museus, as coleções de selo e até a pilha de revistas no canto da estante.
Não explica, porém, como e por que cada vez mais há quem adore (e estoque) bugigangas que, segundo a definição do dicionário, já deveriam estar no lixo.
"Objetos são muito mais simbólicos do que funcionais. Eles têm valor afetivo", diz o antropólogo Everardo Rocha, da PUC-Rio.
"Cada um quer ser curador da própria vida, ter uma coleção imensa de objetos. Muitas pessoas não sabem mais o que é lixo e o que não é."
A antropóloga e pesquisadora da Unicamp Valéria Brandini diz que os objetos carregam escolhas. Por isso é tão difícil jogar fora algo que, para os outros, não passa de quinquilharia.
"Livrar-se de uma roupa velha pode significar perder uma parte de você, mesmo sabendo que aquilo pode ser útil para alguém."

EU OU O LIXO

A princípio, não há nada de errado em acumular coisas. Até que suas coleções sejam tantas que passem a incomodar alguém.
O comerciante Sérgio Valente, 42, não agüentava mais viver junto com as roupinhas de bebê de seus filhos, já adolescentes.
Sua esposa, Neide, 41, publicitária, fazia questão de guardar tudo. Tinha pilhas de roupas de todos os tamanhos (para usar se engordasse), utensílios de cozinha velhos e congelados vencidos. "Ela é desorganizada e dizia que não tinha tempo para arrumar. Dei um basta e insisti para contratarmos alguém que ajudasse nisso."
Foram 11 dias de trabalho de uma especialista em organização e mais de 60 sacos de lixo de cem litros. E muitas coisas ainda ficaram.
De acordo com a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, da Associação Brasileira de Psiquiatria, o colecionismo (mania de guardar objetos), quando em excesso, pode ser sintoma de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) ou estar associado à depressão.
Essas pessoas guardam dúzias de garrafas PET, escovas ou pilhas de enlatados.
"Sempre há uma justificativa. Elas dizem que pode ser útil, que vão usar no futuro. Mas, no fim, nunca usam."
O psiquiatra Álvaro Ancona de Faria, da Unifesp, explica que ter um histórico de dificuldades financeiras pode desencadear o problema.
"É um tipo de insegurança. Como se ela precisasse ter gasolina de reserva mesmo com o tanque cheio."
Segundo Hounie, é difícil diferenciar o colecionismo saudável do transtorno. Muitas vezes, além de guardar, a pessoa compra sem controle.
Os casos mais extremos aparecem com a Síndrome de Diógenes --uma referência ao filósofo grego que vivia dentro de um barril.
Quem tem a síndrome vive no meio do lixo, com pouca atenção à higiene, em um ato de autonegligência.
"Há pessoas ricas assim. É um transtorno difícil de ser tratado porque quem tem não se incomoda", afirma a psiquiatra Bárbara Perdigão, autora de um artigo sobre o assunto publicado na última edição do "Jornal Brasileiro de Psiquiatria".
Muitas vezes, nem terapia resolve. E, quando a casa é limpa, pouco tempo depois já volta a ficar como antes.

SEM LUXO

No fim de 2008, o empresário e escritor americano Dave Bruno, 39, decidiu que ia tentar viver com apenas cem objetos pessoais durante o ano seguinte.
Foi o que ele chamou de "100 Thing Challenge" (o desafio das 100 coisas).
O desafio foi vencido sem dificuldades, diz ele. Tanto é que, mesmo depois de terminá-lo, continua vivendo com pouco. Na última contagem, em agosto de 2010, tinha 94 pertences, incluindo as peças de roupa e descontando meias e cuecas.
"Eu não acho que há alguma coisa sem a qual eu não poderia viver. Só não me livraria da minha aliança", disse ele à Folha.
A escritora Letícia Braga, 39, decidiu viver com pouco depois de perder o marido e se ver em uma casa cheia de coisas que não usava.
Mudou para um apartamento bem menor e deixou para trás móveis, revistas, eletrodomésticos e roupas.
A experiência rendeu um livro: "O Prazer de Ficar em Casa" (Casa da Palavra, 80 págs., R$ 14,90).
"Tenho um fogão de quatro bocas e quatro panelas. Tenho só uma gaveta de utensílios, e olha que gosto de cozinhar", diz.

ENTÃO LIBERA

Não é preciso ser tão minimalista, mas para a filosofia chinesa do Feng Shui, já passou da hora de dar destino às coisas inúteis que você insiste em dizer que não são lixo.
"Objetos sem utilidade ocupam espaço físico e mental e dificultam a organização das ideias", diz Maria Elena Passanesi, especialista em cosmologia chinesa.
Para a organizadora Ingrid Lisboa, bagunça é sinal de que algo está sobrando. "O descarte é o primeiro passo da organização", afirma.
Segundo ela, todo mundo sempre tem algo no fundo do armário que não usa. Mesmo as pessoas mais organizadas e menos consumistas.
"Roupa velha é o que mais guardam. A peça não serve, está fora de moda, e a pessoa pensa que vai voltar a usar um dia. Só se for a uma festa do ridículo."

DESCARTE:

SEM PENSAR

Tudo o que estiver quebrado ou velho demais. Vale para louças amareladas, panelas e potes de plástico sem tampa (ou tampas sem potes de plástico) e roupas velhas.

PASSADO

Com alimentos e cosméticos é simples: passou a data de validade, lixo. Mas travesseiros, plásticos e escovas de dentes também vencem. Potes plásticos costumam ter validade de dois anos.

NÃO COMPENSA

O conserto pode sair mais caro do que comprar um novo. É o caso de casacos de pele, peças de couro ou de verniz. A maioria dos eletrodomésticos também é descartável, como aparelhos de DVD e liquidificadores.

PARADOS

Se você comprou faz um tempo e nunca usou, provavelmente nunca vai usar. Se você já usou, há uma tolerância. Alguns dizem que, para roupas, o prazo é dois anos. Para utensílios de cozinha, um ano.

VÁRIOS DO MESMO

Três xampus pela metade, esmaltes da mesma cor e cremes iguais. Separe dois ou três e se livre do resto. Revistas e jornais com matérias não lidas podem ser recortados e guardados. Por que não imprimir receitas em vez de guardar pilhas de revistas que têm só uma receita boa?

PURGATÓRIO

Quando não tiver certeza se vai usar ou não um objeto, separe e deixe em um local visível por um tempo, como se estivesse de castigo. Coloque um limite de tempo (um mês, por exemplo). Se não usar durante esse tempo, é melhor doar.

LIBERADOS

As exceções para as regras de uso são os sobretudos, casacos clássicos, agasalhos usados em viagens internacionais ou roupas esportivas (mergulho ou esqui) usadas em viagens. Livros de estimação e utensílios de cozinha temáticos e sazonais como formas de biscoito de Natal também são perdoados.

PASSE ADIANTE ROUPAS, ELETRODOMÉSTICOS E MÓVEIS


Procure instituições e necessitados em sua cidade.

domingo, 15 de maio de 2011

Fale menos, ouça mais.

Você é daquele(a)s que falam o tempo todo e não escuta as pessoas, parecendo ter 4 bocas e um só ouvido? Gosta de dizer a verdade, mas não aceita ouvir a verdade dos outros, sendo intolerante e agressivo se alguém ousa dizer algo que não seja elogios a seu respeito? Invade as conversas das pessoas sem ser chamado(a)? Coloca-se sempre como o(a) certo(a), o(a) dono(a) da verdade, o(a) infalível? Não tem a paciência de ouvir as pessoas concluírem as frases enquanto falam e fica colocando palavras para elas falarem? Não consegue ficar calado(a) em ambientes públicos onde o silêncio é sinal de civilidade e de respeito ao próximo?
Observe que o corpo humano é formado de uma boca e dois ouvidos, a natureza mostrando que o ser humano deve ouvir muito mais do que falar (no mínimo o dobro). Por não prestar atenção nisto, têm pessoas que falam demais, sufocam e impedem as outras de se expressarem, gerando muitas vezes conflitos e incompreensões. O poeta Luiz Melodia diz a este respeito na música Congênito:
“Se a gente falasse menos, talvez compreendesse mais...”
Então, que tal aprendermos a ouvir mais? No mundo de hoje há muitos para falar e poucos para ouvir, e, pela carência de bons ouvintes, muitos pagam terapeutas para serem ouvidos, pois precisam de alguém que os ouçam com atenção, respeito, compreensão e acolhimento. Muitas vezes quem ouve não precisa dizer nada, só ouvir, pois o falar, o desabafar, é terapêutico.


O filósofo alemão Goethe captou de forma sábia a importância do ouvir, quando disse: “Falar é uma necessidade, escutar é uma arte.”

Gilvan Almeida

PS: O escritor Rubem Alves escreveu sobre este tema, no belo texto a seguir.

CURSO DE ESCUTATÓRIA


Sempre vejo anunciados cursos de oratória. Nunca vi anunciado curso de escutatória. Todo mundo quer aprender a falar. Ninguém quer aprender a ouvir. Pensei em oferecer um curso de escutatória. Mas acho que ninguém vai se matricular.
Escutar é complicado e sutil. Diz Alberto Caeiro que "não é bastante não ser cego para ver as árvores e as flores. É preciso também não ter filosofia nenhuma". Filosofia é um monte de idéias, dentro da cabeça, sobre como são as coisas. Para se ver, é preciso que a cabeça esteja vazia.
Parafraseio o Alberto Caeiro: "Não é bastante ter ouvidos para ouvir o que é dito; é preciso também que haja silêncio dentro da alma". Daí a dificuldade: a gente não agüenta ouvir o que o outro diz sem logo dar um
palpite melhor, sem misturar o que ele diz com aquilo que a gente tem a dizer. Como se aquilo que ele diz não fosse digno de descansada consideração e precisasse ser complementado por aquilo que a gente tem a dizer, que é muito melhor.
Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil de nossa arrogância e vaidade: no fundo, somos os mais bonitos...
Tenho um velho amigo, Jovelino, que se mudou para os Estados Unidos estimulado pela revolução de 64. Contou-me de sua experiência com os índios. Reunidos os participantes, ninguém fala. Há um longo, longo silêncio. (Os pianistas, antes de iniciar o concerto, diante do piano, ficam assentados em silêncio, abrindo vazios de silêncio, expulsando todas as idéias estranhas.). Todos em silêncio, à espera do pensamento essencial. Aí, de repente, alguém fala. Curto. Todos ouvem. Terminada a fala, novo silêncio. Falar logo em seguida seria um grande desrespeito, pois o outro falou os seus pensamentos, pensamentos que ele julgava essenciais. São-me estranhos. É preciso tempo para entender o que o outro falou. Se eu falar logo a seguir, são duas as possibilidades.
Primeira: "Fiquei em silêncio só por delicadeza. Na verdade, não ouvi o que você falou. Enquanto você falava, eu pensava nas coisas que iria falar quando você terminasse sua (tola) fala. Falo como se você não tivesse falado".
Segunda: "Ouvi o que você falou. Mas isso que você falou como novidade eu já pensei há muito tempo. É coisa velha para mim. Tanto que nem preciso pensar sobre o que você falou".
Em ambos os casos, estou chamando o outro de tolo. O que é pior que uma bofetada. O longo silêncio quer dizer: "Estou ponderando cuidadosamente tudo aquilo que você falou". E assim vai a reunião. Não basta o silêncio de fora. É preciso silêncio dentro. Ausência de pensamentos. E aí, quando se faz o silêncio dentro, a gente começa a ouvir coisas que não ouvia.
Eu comecei a ouvir. Fernando Pessoa conhecia a experiência, e se referia a algo que se ouve
nos interstícios das palavras, no lugar onde não há palavras. A música acontece no silêncio. A alma é uma catedral submersa. No fundo do mar - quem faz mergulho sabe - a boca fica fechada. Somos todos olhos e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia, ouvimos a melodia que não havia, que de tão linda nos faz chorar. Para mim, Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir os outros: a beleza mora lá também. Comunhão é quando a beleza do outro e a beleza da gente se juntam num contraponto.

Autor: Rubem Alves