terça-feira, 10 de abril de 2012

Thomas Mann: Morte em Veneza

Um dos motivos que peço a Deus uma longa, lúcida e saudável vida, é para ter tempo de ler todos os livros e autores que ainda não consegui ler. Não posso morrer sem ler Proust, Balzac, Marguerite Duras, James Joyce, Faulkner, Dante, Santo Agostinho, Flaubert, e tantos outros que planejo ler ainda nesta vida. Há muito queria conhecer o escritor alemão Thomas Mann, Prêmio Nobel de Literatura em 1929. Vi o filme Morte em Veneza, produzido em 1971 e dirigido pelo cineasta italiano Luchino Visconti, baseado no livro Morte em Veneza, de Mann, gostei muito e cresceu mais ainda a vontade.
Quando, finalmente, li Morte em Veneza, fiquei admirado com o estilo do escritor, que, nesta obra, faz uma ode à beleza, à arte e ao amor. Entrou, para mim, no rol dos escritores que são verdadeiros artistas e escultores da palavra, à altura de Fernando Pessoa, Manoel de Barros, Clarice Lispector, Oscar Wilde, Machado de Assis, Gabriel Garcia Marquez e outros “deuses” que estão em “meu” Monte Olimpo da literatura.

Vejam alguns trechos do livro:

-“(...) As observações e as vivências do solitário calado são ao mesmo tempo mais difusas e intensas do que as dos seres sociáveis, seus pensamentos, mais graves, mais fantasiosos e sempre marcados por um laivo de tristeza. Imagens e impressões que facilmente seriam esquecidas com um olhar, um sorriso, uma troca de opiniões ocupam-no mais do que o devido, aprofundam-se no silêncio, ganham significado, transformam-se em vivência, aventura, sentimento. A solidão engendra o original, o belo ousado e surpreendente, o poema. Mas engendra também o inverso, o desmedido, o absurdo e o ilícito. (...)”
-“(...) a beleza, e apenas ela, é simultaneamente visível e enlevadora. Ela é a única forma ideal que percebemos por meio dos sentidos e que nossos sentidos podem suportar. Ou o que seria de nós se acaso o Divino, a Razão, a Virtude e a Verdade se dispusessem a aparecer aos nossos sentidos? Não iríamos sucumbir consumidos pela chama do Amor? (...)
-“(...) A suprema ventura do escritor é o pensamento capaz de tornar-se por inteiro sentimento, o sentimento capaz de tornar-se por inteiro pensamento. (...)”

Olhem a descrição que Mann faz do personagem principal presenciando a aurora e o amanhecer, narrativa enriquecida de elementos de mitos gregos:

“ (...) sentava-se junto à janela aberta, para esperar o nascer do sol. O maravilhoso acontecimento enchia de veneração sua alma abençoada pelo sono. Céu, terra e mar jaziam ainda imersos na palidez vítrea, fantasmagórica, que precede o alvorecer; uma estrela devanescente pairava ainda no vazio. Mas um sopro, mensagem alada de paragens inacessíveis, vinha anunciar que Eos se erguia de junto de seu esposo e acontecia aquele primeiro e delicado enrubescer das faixas mais longínquas de céu e do mar, com o qual a criação principia a se desvelar aos sentidos. Aproximava-se a deusa raptora de adolescentes, que arrebatara consigo Clito e Céfalo e que, enfrentando a inveja de todo o Olimpo, desfrutava do amor do belo Órion. Lá na orla do mundo, um espargir de rosas desencadeava um luzir e florescer de encanto indescritível, nuvens infantis iluminadas, translúcidas, pairavam como Amores obsequiosos na névoa róseo-azulada; púrpura se derramava sobre o mar que com suas vagas ondulantes parecia espalhá-la por sua superfície; lanças douradas se lançavam no mar nas alturas do céu; o brilho incendiava-se silenciosamente, com plenipotência divina; erguia-se o turbilhão de brilho incandescente, ardor e labaredas flamejantes, e os corcéis sagrados de Apolo se elevavam acima do orbe terrestre, devorando o espaço com seus cascos impacientes. Iluminado pelo esplendor do deus, a sentinela solitária ali sentada fechava os olhos, deixando que a glória lhe beijasse as pálpebras. Sentimentos antigos, deliciosos tormentos de um coração juvenil, que haviam se extinguido em meio à severa labuta de sua vida e que ressurgiam agora tão estranhamente transfigurados – ele os reconhecia com um sorriso embaraçado e admirado. Cismava, sonhava, seus lábios lentamente articulavam um nome e, ainda sorrindo, o rosto voltado para o céu, as mãos enlaçadas no colo, adormecia de novo em sua poltrona.(...)

Indico-lhes o filme e o livro.

Gilvan Almeida

3 comentários:

Luciana Santa Rita disse...

Meu amigo,

Tudo bem? Postagem real e que toca a alma. Já parei também para pensar no não li, não assisti ou mesmo vivi e aí tive medo da vida, ou seja, da realidade da morte. Todavia continuo pedindo tempo para ao partir ter tido co conhecimento que desejava.

Beijos.

Maria Lucia (Centelha) disse...

Tem toda a razão você, quando diz que não pode morrer sem ler os autores citados, e em especial Thomas Mann, ao qual citou em especial. Também eu, quero ler todos. Rss...
E, a sua narrativa sobre a descrição que Mann faz, levou-me a visualizar mentalmente a cena, como se fora um quadro de grande beleza estética, Obrigada!

E agradeço também, a sua visita e comentários lá no SEMENTES PRECIOSAS!


Beijinhos da Lu...

Unknown disse...

Maravilhoso, Gilvan!
Precisava ler Mann nesta tarde que se inicia...
Espero que meu Deimos se apascente depois destes mergulhos de sensibilidade!...
Grande abraço!