quinta-feira, 9 de junho de 2011

Mentiras, fingimentos, máscaras, barbárie e civilização.

Compartilhei o artigo Mentiras, da Danuza Leão, com algumas amigas e, com uma delas mantive o diálogo que coloquei uns trechos em seguida ao texto.

Gilvan Almeida

MENTIRAS
Danuza Leão

Quantas mentiras nos contaram; foram tantas, que a gente bem cedo começa a acreditar e, ainda por cima, a se achar culpada por ser burra, incompetente e sem condições de fazer da vida uma sucessão de vitórias e felicidades.

Uma das mentiras:

É a que nós, mulheres, podemos conciliar perfeitamente as funções de mãe, esposa, companheira e amante, e ainda por cima ter uma carreira profissional brilhante.

É muito simples: não podemos.

Não podemos; quando você se dedica de corpo e alma a seu filho recém-nascido, que na hora certa de mamar dorme e que à noite, quando devia estar dormindo, chora com fome, não consegue estar bem sexy quando o marido chega, para cumprir um dos papéis considerados obrigatórios na trajetória de uma mulher moderna: a de amante .

Aliás, nem a de companheira; quem vai conseguir trocar uma idéia sobre a poluição da Baía de Guanabara se saiu do trabalho e passou no supermercado rapidinho para comprar uma massa e um molho já pronto para resolver o jantar, e ainda por cima está deprimida porque não teve tempo de fazer uma escova?

Mas as revistas femininas estão aí, querendo convencer as mulheres - e os maridos - de que um peixinho com ervas no forno com uma batatinha cozida “al dente”, acompanhado por uma salada e um vinhozinho branco é facílimo de fazer - sem esquecer as flores e as velas acesas, claro. Tudo isso para que o casamento continue tendo aquele toque de glamour fun-da-men-tal e dure por muitos e muitos anos.

Ah, quanta mentira!

Outra grande, diz respeito à mulher que trabalha; não à que faz de conta que trabalha, mas à que trabalha mesmo. No começo, ela até tenta se vestir no capricho, usar sapato de salto e estar sempre maquiada; mas cedo se vão as ilusões. Entre em qualquer local de trabalho pelas 4 da tarde e vai ver um bando de mulheres maltratadas, com o cabelo horrendo, a cara lavada, e sem um pingo do glamour - aquele - das executivas da Madison.

Dizem que o trabalho enobrece, o que pode até ser verdade. Mas ele também envelhece, destrói e enruga a pele, e quando se percebe a guerra já está perdida.

Não adianta: uma mulher glamourosa e pronta a fazer todos os charmes - aqueles que enlouquecem os homens - precisa, fundamentalmente, de duas coisas: tempo e dinheiro.

Tempo para hidratar os cabelos, lembrar de tomar seus 37 comprimidos contra os radicais livres, tempo para ir à hidroginástica, para ter uma massagista tailandesa e um acupunturista que a relaxe; tempo para fazer musculação, alongamento, comprar uma sandália nova para o verão, fazer as unhas, depilação; e dinheiro para tudo isso e ainda para pagar uma excelente empregada - o que também custa dinheiro.

É muito interessante a imagem da mulher que depois do expediente vai ao toalete - um toalete cuja luz é insuportavelmente branca e fria, retoca a maquiagem, coloca os brincos, põe a meia preta que está na bolsa desde de manhã e vai, alegremente, para uma happy hour.

Aliás, se as empresas trocassem a iluminação de seus elevadores e de seus banheiros por lâmpadas âmbar, os índices de produtividade iriam ao infinito - não há auto-estima feminina que resista quando elas se olham nos espelhos desses recintos.

Felizes são as mulheres que têm cinco minutos - só cinco - para decidir a roupa que vão usar no trabalho; na luta contra o relógio o uniforme termina sendo preto ou bege, para que tudo combine sem que um só minuto seja perdido.

Mas tem as outras, com filhos já crescidos: essas, quando chegam em casa, têm que conversar com as crianças, perguntar como foi o dia na escola, procurar entender por que elas estão agressivas, por que o rendimento escolar está baixo.

E ainda tem as outras que, com ou sem filhos, ainda têm um namorado que apronta, e sem o qual elas acham que não conseguem viver .
Segundo um conhecedor da alma humana, só existem três coisas sem as quais não se pode viver: ar, água e pão.

Convenhamos que é difícil ser uma mulher de verdade; impossível, eu diria.

Parabéns para quem consegue fingir tudo isso....

Prezadas:
Olhem o que a Danuza Leão “descobriu”. Concordo com ela em muitos pontos. Texto lúcido, uma constatação mesmo. Não vejo que isso torne a mulher inferior. Acho até que há algumas que conseguem realizar (e bem) tudo isso, mas querer generalizar, e colocar como padrão de mulher atual, acho muito perigoso, pois é uma possível fonte de contínua insatisfação, que pode alimentar sofrimentos e doenças.

Gilvan


Bom dia querido amigo,
Amei especialmente a afirmação: "Parabéns para quem consegue fingir tudo isso.." (...) na sociedade somos "convidado(a)s" a representar papéis ... fiz um longo estudo deste tema em minha monografia para alcançar o título de antropóloga. Logo, atualmente não considero um crime representar papéis (por que já pensei assim um dia), mas o verbo fingir, utilizado por ela é perfeito.
Se fossemos entrar numa reflexão entre "representar" e "fingir" certamente ficaríamos um bom tempo nos dedicando ao tema; no entanto, o fingir me fisgou especialmente porque me enquadro perfeitamente na descrição detalhada da mulher século XXI.
Como gosto de dizer .. minha avó é que era feliz! Pena que não sabíamos ...
Ouvi uma frase um dia de uma psiquiatra, durante uma reportagem no GNT: "...nós mulheres do século XXI estamos testando o que é ser este modelo de mulher proposto, com suas perdas e ganhos ..., logo, as gerações que vierem terão muito mais possibilidade de encontrar pontos de equilíbrio que ainda estamos tateando.."
É querido amigo, me encontro atualmente representando, fingindo, chorando, tendo alegrias, decepções e/ou frustrações, pelo nível que me cobro ... mas com uma única certeza ... quero mesmo é ser feliz ... como for possível!

D

Para mim não tem ninguém 100 % autêntico na sociedade humana. Antropologicamente falando vejo assim: se todos fossem autênticos e expressassem plena e constantemente seus reais pensamentos e sentimentos, seria a barbárie, a guerra total. Nós ainda não aguentamos toda a verdade, por isso precisamos das máscaras. Para mim, a civilização só é possível por causa delas (já abordei o tema no post "Quais são suas máscaras?" http://gilvanalmeida.blogspot.com/2009_04_01_archive.html). Só com elas é que podemos nos suportar e conviver (desculpe a minha insolência, falando isso para uma mestra da antropologia. risos).
"Titio" Jung já dizia: "Todos nascemos originais e morremos cópias". Compreendo isso assim: em uma fase da infância as crianças são naturalmente autênticas e, por esta característica, com suas verdades, às vezes inconvenientes para os adultos, causam transtornos aos pais, e estes, rapidamente, tratam, nem sempre de forma equilibrada e adequada, de desensiná-las, introduzindo-as em um mundo de representação, onde não se pode dizer tudo o que sente e pensa. Desta forma, ao longo da vida, aprendemos a cumprir papéis, com nossas inúmeras e muitas vezes inconscientes e desconhecidas máscaras, que, às vezes, são tão grudadas, parecendo ser tão reais, que até nós mesmos acreditamos que somos o que elas mostram.
Não vejo esta forma de pensar e observar a realidade como pessimista, amarga ou negativa. Considero-a realista, perfeitamente comprovável por qualquer um; só é ter um mínimo de sinceridade consigo mesmo que veremos isto em nós e em nossos semelhantes.
E assim chegamos à sociedade moderna e tecnológica de hoje, onde não sabemos mais o que é mentira e o que é verdade, quem está ou não com a razão, pois todos se dizem certos e os outros é que estão errados.
Mesmo assim, continuo acreditando na espécie humana, em evolução espiritual, na metamorfose de nossas imperfeições, para que a construção de um mundo melhor possa realmente acontecer, a partir de dentro de cada um.


Gilvan

2 comentários:

Fátima Almeida disse...

Caetano Veloso disse "de perto, ninguem é normal". Na intimidade mostramos que não somos inteiros e sim multifacetados. Na minha mãe distingo, com nitidez, três pessoas, bem distintas. Ela não sabe, ela só é uma ou outra ou outra.As pessoas colocam máscaras por um dispositivo interno, um condicionamento cultural. Cabe a cada um fazer suas escolhas, aproximar ou distanciar pessoas conforme suas máscaras porque elas, as máscaras nos dizem tudo sobre as próprias pessoas que as usam..karil kosik disse que a aparência esconde a essência e ao mesmo tempo a mostra por inteiro. Não lembro do nome do livro pois o li há mais de vinte anos. Mas é um viés..porque precisamos de apoio logístico para ser, pensar, falar e atuar. Um ethos, como uma ponte entre o que somos e o que vivenciamos na relação com os outros. Se não houver um ethos, um espírito, um princípio, as coisas ficam ao sabor do vento e não existe movimento. Afinal, todo movimento é movimento em direção a um ponto.

Anônimo disse...

O problema é querer medir as pessoas usando como base a propria medida não é sensivel e nem possivel, não somos iguais nem quando acertamos e nem quando erramos. As mulheres já foram formatadas com varias medidas e nenhuma coube à todas. Somos apenas seres acho que humanos tentando ser feliz. Pessoas.