sábado, 10 de setembro de 2011

Os dois 11 de setembro

Desde que soube com mais detalhes do golpe militar no Chile (11.09.1973), em 1974, ano-base de minha formação teórica político-ideológica e médica (estava iniciando a Faculdade de Medicina), comecei a estudar a cultura e a política daquele país, especialmente através dos poetas Pablo Neruda, Violeta Parra, Gabriela Mistral e Isabel Allende; do músico Vitor Jara (morto pelos militares, sob tortura, no Estádio Nacional de Santiago, transformado em prisão durante o golpe) e do político Salvador Allende. Lembro que, a cada conhecimento que adquiria a respeito das verdadeiras razões do golpe e da participação decisiva dos Estados Unidos da América, para que Pinochet e sua quadrilha derrubassem o governo democraticamente eleito de Allende, mais crescia em mim a consciência da opressão e exploração política e econômica em que viviam (e ainda vivem) os povos do, à época, chamado 3º mundo. Ficou claro que sendo o primeiro governo latinoamericano, declaradamente socialista, eleito pelo voto popular, e com todas as medidas de proteção, incluindo a nacionalização, das riquezas do patrimônio chileno, especialmente dos minérios, era um “mau exemplo” muito grande para os povos oprimidos, o que fez com que o imperialismo “cortasse o mal pela raiz”, com o custo de milhares de vidas humanas e de tantas outras barbaridades que recaíram sobre o povo chileno e de outros países latinoamericanos. Desde aquela época, anualmente, em 11 de setembro, solidarizo-me com o povo chileno e com todos os que carecem de pão e liberdade em seu mais amplo sentido. Lembro aqui de Violeta Parra, que disse: “Os famintos pedem pão; chumbo lhes dá a polícia.” Estamos vendo a mídia global derramando em nossas mentes toda uma visão excessivamente dramática, superficial, e, em muitos pontos, tendenciosa, sobre os 10 anos do 11.09.2001. O que poderia ser uma justa homenagem às famílias e aos inocentes cidadãos que morreram nos atentados, o poderio militar-industrial transforma em uma intensificação do papel de vítima inocente dos Estados Unidos, promovendo uma catarse nacionalista no povo, alimentando a visão de que a guerra é a solução, ao mesmo tempo em que tenta esconder, ou subdimensionar, que o contribuinte é quem paga as contas das guerras, com vidas e dólares, e o capitalismo lucra. Quase nenhuma palavra sobre os 38 anos do 11.09.1973. Dentre as raras exceções, encontrei este artigo, no site Carta Maior, que compartilho com os que se interessam pelo tema.

Gilvan Almeida
P.S. Na foto, o Presidente Salvador Allende,pouco antes de sua morte, comandando a defesa no interior do Palácio governamental de La Moneda, durante o golpe.


Dois 11 de setembro

Luis Hernández Navarro - Correspondente da Carta Maior na Cidade do México

No dia 11 de setembro de 1973 um golpe militar derrubou no Chile o governo do socialista Salvador Allende. A partir desse momento, com o apoio dos falcões de Washington, caiu sobre a maioria dos países da América Latina a noite sombria das ditaduras militares, a repressão e o desmantelamento das conquistas sociais. O Chile se converteu no grande laboratório neoliberal de onde seriam exportadas suas políticas para todo o mundo. Sacrificando Allende se quis frear as lutas de libertação no continente.

O 11 de setembro de 2001, o ataque às Torres Gêmeas em Nova York serviu como pretexto para que o governo de George W. Bush fizesse da guerra contra o terrorismo o instrumento principal para instaurar um novo poder constituinte. No calor da tragédia, os EUA fixaram uma nova doutrina de segurança nacional na qual advertiram que não tolerariam desafios ao seu poder, defendem a ação militar solitária em defesa da unidade nacional, sustentam o direito de efetuar ataques preventivos em qualquer parte do mundo e advertem que a dissuasão contra inimigos que “odeiam os EUA e tudo o que representam” é inútil.

Os dois 11 de setembro são datas que marcam o início de ofensivas do Império para reforçar seus interesses e abrir no continente americano e no Oriente Médio um novo ciclo de dominação e de acumulação de capital. No primeiro caso, o golpe de Estado serviu para frear o avanço da esquerda e das forças nacional-populares no Cone Sul, aprofundar a penetração do capital estadunidense e ampliar a presença militar. No segundo, permitiu à Casa Branca, com o pretexto do combate ao fundamentalismo religioso, avançar no controle dos recursos petroleiros no Oriente Médio e fazer da guerra parte do ciclo de expansão e consolidação da globalização neoliberal. Seu objetivo foi impor uma nova ordem internacional unilateral; estabelecer, pela lógica do fato consumado, um governo autoritário da globalização.

Os dois 11 de setembro reafirmaram o “excepcionalismo” estadunidense. Em 1787, James Madison, conhecido como o “pai da Constituição” dos Estados Unidos, assinalou que o objetivo principal do governo devia ser “proteger a minoria opulenta da maioria”. Em plena Convenção Constitucional, expressou que temia que o número cada vez maior de habitantes que sofriam as desigualdades da sociedade “suspirasse secretamente por uma distribuição mais equitativa dos bens”. A democracia, sentenciou, devia ser reduzida.

Nessa época, outro dos “pais fundadores” desse país, Thomas Jefferson, afirmou: “Estou persuadido que nunca houve nenhuma constituição tão bem calculada como a nossa para a expansão imperial e o autogoverno”.
Quase dois séculos depois, primeiro Richard Nixon e depois George W. Bush se empenharam em tornar realidade em escala planetária a missão que Madison atribuía ao governo e que Jefferson atribuía à Constituição de seu país.

A 38 anos do primeiro 11 de setembro e dez do segundo, na América Latina os povos resistem. Derrubaram as ditaduras militares da década dos setenta e meados dos oitenta e abriram a porta para que candidatos de centro-esquerda ganhassem as eleições. Antes do triunfo eleitoral, já tinha se produzido uma vitória cultural. O que o Império quis evitar com o Golpe de Estado no Chile renasceu por outras vias. As aventuras imperiais de Washington no Oriente Médio debilitaram o controle sobre a área que era considerada o quintal dos Estados Unidos.

Os governos progressistas na América Latina impulsionaram um processo de reconstrução da arquitetura do poder e da geopolítica na região. Há no continente uma redefinição profunda das relações e da inserção com os Estados Unidos, que se expressa tanto no rechaço das políticas da Casa Branca como no surgimento de um novo tecido institucional para favorecer a integração regional. A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi torpedeada e, no Equador, não se renovou o contrato para que os EUA utilizassem a base militar de Manta. Também na contramão de Washington, a solidariedade com Cuba e as relações diplomáticas ativas com o Irã tem sido uma constante. O investimento chinês cresceu vertiginosamente. Com dificuldades, uma proposta pós-neoliberal abre caminho na região.

Ironias da história, dois 11 de setembro depois, o legado de Salvador Allende na região está mais vivo do que nunca.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18425

Leia mais sobre o tema:

1.A vítima 0001 dos atentados do 11 de setembro: a mensagem do Padre Mychal .
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18438&editoria_id=6

No dia 11 de setembro de 2001, a coberta marcada com a inscrição “Vítima 0001” continha o cadáver do padre Mychal Judge, um capelão católico do Departamento de Bombeiros de Nova York. A sua foi a primeira morte registrada por causa dos atentados daquela manhã. O trabalho que ele realizou em vida deveria estar no centro das comemorações do décimo aniversário dos atentados de 11 de setembro: paz, tolerância e reconciliação. O artigo é de Amy Goodman.

2.A matemática macabra do 11 de setembro
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18435&editoria_id=6

A resposta dos EUA ao ataque contra o World Trade Center engendrou duas novas guerras e uma contabilidade macabra. Para vingar as mais de 2.900 vítimas do ataque, algumas centenas de milhares de pessoas foram mortas. Para cada vítima do 11 de setembro, algumas dezenas (na estatística mais conservadora) ou centenas de pessoas perderam suas vidas. Mas essa história não se resume a mortes. A invasão do Iraque rendeu bilhões de dólares a empresas norteamericanas. Essa matemática macabra aparece também no 11 de setembro de 1973. O golpe de Pinochet provocou 40 mil vítimas e gordos lucros para os amigos do ditador e para ele próprio: US$ 27 milhões, só em contas secretas. O artigo é de Marco Aurélio Weissheimer.

Nenhum comentário: