domingo, 1 de abril de 2012

Clarice Lispector e as dores do mundo

"Refugiei-me na doideira porque a razão não me bastava."
Clarice Lispector

Ainda não conhecia este pensamento dela. Impactou-me positivamente e fez crescer minha compreensão sobre os transtornos mentais, aliás, sobre os seres humanos. Todos somos, no mínimo, neuróticos, não é mesmo? Já se assumem assim, ou ainda acham que são 100% normais?
Loucura é prisão ou liberdade? Depende do ângulo do olhar. Observemos nossa vida, nossa trajetória íntima, aquela que se esconde por trás de todas as máscaras que utilizamos, e que ao dormirmos os sonhos revelam. De tantas prisões já escapamos e de quantas ainda somos prisioneiros. Inúmeros refúgios buscamos, com o objetivo, nem sempre sabido, de sobrevivermos psicológica e emocionalmente ao que estávamos vivendo.
Muito além de viventes, nós somos sobreviventes mesmo. Refugiados das dores do corpo e da alma, lapeados pelos chicotes da incompreensão e do preconceito, da intolerância e do desamor, da fome de pão e carinho, estamos escapando, nem tanto como o poeta Cazuza diz “...estou sobrevivendo sem um arranhão...”, estamos sobrevivendo com muitos arranhões. Algumas feridas já cicatrizadas, outras ainda sangrando, à espera de atenção e cuidados.
Sem apoio, abandonados por amigos e inimigos, alguns não agüentam “a barra” e “piram”, fogem, consciente e inconscientemente, da realidade tão cruel e dolorosa.
Alguém pode até achar que estou sendo duro e amargo, que só escrevo sobre sofrimento, mas não estou. Não tenho dúvida de que a dor é companheira de viagem. Todos os grandes Mestres falam nela, da importância que elas têm para a vida e a evolução, chegando até mesmo a trazerem a compreensão de que quanto maior o conhecimento, maior a dor; quando não mais por si, pelo próximo. Assim, a vida é dor e sofrimento, embora não seja só isso. Graças a Deus. Temos também alguns momentos de alegria, paz e felicidade.
A dor e o sofrer são minhas principais matérias primas de trabalho. Lido com isso todos os dias e, sem poder parar para cuidar das minhas, vou fazendo o que posso para, ao mesmo tempo, cuidar de mim e de quem me procura com o objetivo de conhecer e tratar, na origem, os seus sofrimentos. Nesta procura/entrega, recebo às vezes e-mails inspirados nas próprias dores, relatos do fundo d'alma, como este a seguir.

Gilvan Almeida

“ Lí o seu texto e o dela (Clarice) – postagem no blog: http://www.gilvanalmeida.blogspot.com.br/2011/04/o-grito-de-clarice-lispector.html  ... Eu confesso-lhe que não grito. Ensinaram-me a tentar "dominar" a dor, desde pequena; a trincar os dentes, a sorrir "chorando" por dentro ... Em momentos de meditação já me flagrei chorando, as lágrimas caindo pelos cantos dos olhos, abundantemente, sem que eu pudesse contê-las e nem compreender porque aquilo estava acontecendo.
Recordo ouvir da minha avó a seguinte recomendação: "se você gritar, a dor vai lhe dominar. Domine a dor." É possível dominar a dor, Gilvan? Parece que sim, embora, às vezes, ela lhe trucide e deixe destroçada! Mas, tudo tem seu lado bom e seu lado ruim. Depende de que lado você está olhando as coisas.( ...) Eu fui "estraçalhada" pela dor em tantos pedaços, que fiquei transpassada. (...)
Lembra da música? "Ei dor, eu não te escuto mais, você não me leva a nada ... Ei medo, eu não te escuto mais, você não me leva a nada ..." Pois é. Nem dor, nem medo levam a nada. Ambos precisam ser enfrentados e vencidos.
A dor, realmente doída, é a da alma, embora eu seja intolerante a dor física. Essa eu grito mesmo, em algumas situações, se for necessário, porque não sou resistente a esse tipo de "dor", sou mole. Já aquela dor que você refere, eu não grito mais, eu a sufoco silenciosamente e dissipo-a nos meus afazeres cotidianos. Desde criança criei mecanismos para fugir do que me causava dor (abandono, desamor e solidão). Tenho uma natureza solitária. Aprendi a resistir, utilizando as minhas próprias forças. Nunca espero ajuda externa - de quem quer que seja. Só espero a ajuda de Deus - e ele nunca me deixou só. Você acha que esta altura da vida dá prá mudar isso em mim? Prá mim, tanto faz ... aprendi a me aceitar assim. risos.
Tenho absoluta dificuldade de falar de mim e das minhas dores. Elas me moldaram ao que sou. Me trabalho muito, para conviver bem comigo mesma. Para me aceitar e transformar, dentro do possível, o que precisa ser transformado. Convivo bem comigo. Gosto da minha companhia e, desculpe dizer, gosto muito de estar com os meus bichos. O que é vida bem vivida? O que é vida mal vivida? Pode-se ter como um parâmetro de vida bem vivida, a do Príncipe William e sua noiva Kate? Essa coisa de príncipe e princesa que o mundo põe na cabeça da gente ... rsrsrsrsrs ...
Mas, sendo bem sincera comigo, posso concluir que vivi MUITO a vida, passeei, andei, viajei, me diverti bastante, mas e hoje, me pergunto: minha vida é bem vivida ? Eu só trabalho, trabalho e trabalho. Os filhos crescidos, minha fonte de prazer, é o trabalho. Se me tirarem o trabalho, eu tenho o quê? - Meu trabalho é a minha "muleta" ... Boa reflexão você me trouxe. Preciso melhorar a QUALIDADE da minha vida!
Aguardo os desdobramentos dos seus estudos.”
C.

11 comentários:

vendedor de ilusão disse...

Olá, localizei seu blog no Blogosfera e gostei muito. Convido-lhe visitar e seguir o meu, o que será uma honra.
http://vendedordeilusao.blogspot.com

Luciana Santa Rita disse...

Oi meu amigo,

Excelente reflexão. Hoje consigo entender a dificuldade de se seguir sem abstração. Talvez seja mais fácil sobreviver, negando a dor, embora entenda que a morfina para alma já devia estar na farmácia.

Posso te falar que as vezes não me enxergo muito no calar, pois sofro aos berros. Não sei se estou certa, mas estou na caminhada.

Beijos e boa semana.

Lu

Luciana Souza disse...

Oi Gilvan
Que texto maravilhoso, parece que vc entra na mente dos seus pacientes, porque é assim que a gente se sente, a gente pode até estar estabilizada, como eu estou, mas ela (bipolaridade) está ali, sempre que acontece algo, a depressão me assombra, como disse a autora de "Uma mente inquieta", vc já deve ter lido, a depressão é diferente de tristeza, as pessoas "normais" não entendem isso, mas como eu digo no meu blog, ....a vida continua.....
Bjos. uma ótima semana.

http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br/

vendedor de ilusão disse...

Oi Gilvan, fiquei feliz por você ter visitado meu blog, mas, ao mesmo tempo, triste, já que você não está seguindo. De qualquer forma agradeço seus comentários elogiosos. Muito obrigado!
Um abraço.

vendedor de ilusão disse...

ô Gilvan, que legal você ter respondido! É fácil, é só clicar em Seguir esse site, e vai abrir uma janela, como você tem blogspot, quando abrir a janela clique em Seguir e pronto, tá feito!
Se você não conseguir, não faz mal, seu interesse e predisposição, já me animou! Agora vou lhe dizer: que eu visitarei sempre o seu pode estar certo que sim!
Um abração.

Maria Lucia (Centelha) disse...

Que texto maravilhoso, super interessante Gilvan!

Apesar de não lidar com a dor alheia como vc, eu sou uma observadora atenta das pessoas que convivem comigo, que passam por mim, sejam elas, conhecidas ou estranhas, e percebo nas minhas observações , que existem muitos tipos de dores. Já identifico algumas , tais como a "dor auxílio", aquela que vem pra despertar pessoas teimosas, ou egoístas, fazendo-a a parar, pra refletir; percebo a "dor renúncia", aquela que aparece nas pessoas bondosas, que pelos seres amados, renuncia a tantas coisas, pelo bem delas...e outras dores, que se eu for nomear aqui, haja espaço... Também tenho eu as minhas dores íntimas, Dr Jilvan, a de doer em mim, a dor alheia...

Muito agradecida pela sua presença lá no SEMENTES PRECIOSAS!

Um excelente final de semana de muita luz!

Bjos da Lu...

Anônimo disse...

Nossa que grandes reflexões. Então, na vida vamos viver muitas perdas, vamos chorar, vamos sofrer mas também a vida não é só isso. Com as dores vamos amadurecer e vamos aprender a seguir em frente. Gostei bastante do seu blog. Ler uma reflexão em cima de uma frase da Clarice é maravilhoso. Tenho tamanha admiração por ela.

Abraços.

Blogosfera disse...

Também acho a dor companheira de viagem, ela nos ensina, nos mostra o que está errado. Mas acredito que o egoismo as vezes se disfarça de dor para abater o ser humano. Gostei do texto. Te vejo lá na Friday.

Unknown disse...

Cheguei até aqui através do blogroll do blogue da Luciana Santa Rita e achei muito interessante seu texto.
Realmente, a loucura e o suicídio são formas de fuga para a dor. Certa vez li que um suicida não se mata porque quer parar de viver, mas parar de sofrer. E acredito nisto, tive dois casos de suicídio na família e me revolta quando pessoas leigas, que nunca passaram por isto ou presenciaram, julgam pelas suas crendices.
Eu acho muito mais suportável as dores da alma que todos pregam tanto ser a pior.
A dor física em minha opinião é a pior porque, ela sim é um teste de força, pois se não for forte, acabará por sofrer as duas dores, a física e a da alma. E aí, é complicado de lidar.
Parabéns pelo blogue, voltarei mais vezes.

http//escritoslisergicos.blogspot.com

Joicy Sorcière disse...

Gostei muito de seu blog. Sou fã de Clarice. Ela era sim uma pessoa cheia de conflitos interiores. Penso que ela só não se suicidou pq a doença veio antes da vontade louca de tirar sua própria vida. Claro, essa é apenas minha opinião. Vejo muita semelhança entre Clarice e Virginia Woolf.

Abraços JoicySorciere => Blog Umas e outras...

Anônimo disse...

Muito bom seu texto. Compartilhei no facebook.