quarta-feira, 17 de março de 2010

O tempo segundo Raduan Nassar

Já li e ouvi muitas descrições bonitas a respeito do significado do TEMPO. O escritor brasileiro Raduan Nassar, no livro Lavoura Arcaica, escreveu uma das que mais gosto. A seguir um trecho dela.
Aproveito e indico-lhes o filme Lavoura Arcaica, baseado no mesmo livro, dirigido por Luiz Fernando Carvalho, que considero um dos melhores filmes brasileiros que já vi.

Gilvan Almeida

“...O tempo é o maior tesouro de que um homem pode dispor; embora inconsumível, o tempo é nosso melhor alimento; sem medida que o conheça, o tempo é contudo o nosso bem de maior grandeza: não tem começo, não tem fim; é um pomo exótico que não pode ser repartido, podendo entretanto prover igualmente a todo mundo; onipresente, o tempo está em tudo (...) rico não é o homem que coleciona e se pesa no amontoado de moedas, e nem aquele, devasso, que se estende, mãos e braços, em terras largas; rico só é o homem que aprendeu, piedoso e humilde, a conviver com o tempo, aproximando-se dele com muita ternura, não contrariando suas disposições, não se rebelando contra o seu curso, não se irritando contra a sua corrente, estando atento para o seu fluxo, brindando-o antes com sabedoria para receber dele os favores e não sua ira; o equilíbrio da vida depende essencialmente deste bem supremo, e quem souber com acerto a quantidade de vagar, ou a de espera, que se deve por nas coisas, não corre nunca o risco, ao buscar por elas, de defrontar-se com o que não é; (...) dar o passo mais largo que a perna é o mesmo que suprimir o tempo necessário à nossa iniciativa; (...) colocar o carro à frente dos bois é o mesmo que retirar a quantidade de tempo que um empreendimento exige; (...) caprichoso como uma criança, não se deve contudo retrair-se no trato do tempo, bastando que sejamos humildes e dóceis diante de sua vontade, abstendo-nos de agir quando ele exige de nós a contemplação, e só agirmos quando ele exigir de nós a ação, que o tempo sabe ser bom, o tempo é largo, o tempo é grande, o tempo é generoso, o tempo é farto, é sempre abundante em suas entregas: amaina nossas aflições, dilui a tensão dos preocupados, suspende a dor aos torturados, traz a luz aos que vivem nas trevas, o ânimo aos indiferentes, o conforto aos que se lamentam, a alegria aos homens tristes, o consolo aos desamparados, o relaxamento aos que se contorcem, a serenidade aos inquietos, o repouso aos sem sossego, a paz aos intranqüilos, a umidade às almas secas; satisfaz os apetites moderados, sacia a sede aos sedentos, a fome aos famintos, dá a seiva aos que necessitam dela, é capaz ainda de distrair a todos com seus brinquedos; em tudo ele nos atende, mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio seguindo esta lei inexorável: a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo...”

Raduan Nassar (Pindorama, 27 de novembro de 1935) é um escritor brasileiro, filho de imigrantes libaneses. Na adolescência, foi para São Paulo com a família, onde cursou Direito e Filosofia na Universidade de São Paulo. Estreou na literatura no ano de 1975, com o romance Lavoura Arcaica. Em 1978 foi publicada a novela Um copo de cólera, que fora escrita em 1970. Em 1997 foi publicada a obra Menina a caminho, reunindo seus contos dos anos 60 e 70.
Com apenas três livros publicados, é considerado pela crítica como um grande escritor e comparado a nomes consagrados da literatura brasileira, como Clarice Lispector e Guimarães Rosa. Tudo isso graças à extraordinária qualidade de sua linguagem e força poética da sua prosa. Cultuado por um pequeno círculo de leitores, Raduan se tornou mais conhecido pelo público em geral com as versões cinematográficas de Um copo de cólera e Lavoura arcaica.
Após a sua estréia na literatura, Nassar deixou de escrever em 1984, e vive hoje em um sítio em sua cidade natal.
Fonte: Wikipédia.

Um comentário:

Faide disse...

É mesmo uma composição muito agradável ao espírito.
"...Mas as dores da nossa vontade só chegarão ao santo alívio segundo esta lei inexorável:a obediência absoluta à soberania incontestável do tempo..."
Pois é Gilvan...o tempo e seus acasos e... por acaso o trecho citado acima é para mim um "dharanis"...já há um longo e caprichoso tempo...

abço
Faide