sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Contos de Nasrudin

Gosto muito desta figura, Nasrudin. Com seus contos leves, alguns aparentemente óbvios, e inteligentemente bem humorados, ele nos conduz a sérias reflexões sobre a vida.
É dito que ele viveu no século XIV, contou e escreveu histórias que atravessaram as fronteiras de onde vivia, nas quais ele próprio era personagem, tornando-se conhecido em diversas culturas no oriente. Pesquisei na Net e encontrei dois endereços legais sobre ele: http://nasrudin-humor.blogspot.com/ e http://www.nasrudin.com.br/index.htm
Já postei duas de suas deliciosas histórias. Leia em: http://gilvanalmeida.blogspot.com/2008/05/nasrudin.html
Aqui estão mais duas.

Gilvan Almeida

1. Nasrudin e o ovo

Certa manhã, Nasrudin colocou um ovo embrulhado num lenço, foi para o meio da praça da sua cidade, e chamou aqueles que estavam ali.
- Hoje vamos ter um importante concurso! A quem descobrir o que está embrulhado neste lenço eu dou de presente o ovo que está dentro!
As pessoas se olharam, intrigadas, e responderam:
- Como podemos saber? Ninguém aqui é capaz de fazer esse tipo de previsões!
Nasrudin insistiu:
- O que está neste lenço tem um centro que é amarelo como uma gema, cercado de um líquido da cor da clara, que por sua vez está contido dentro de uma casca que se parte facilmente. É um símbolo de fertilidade, e lembra-nos dos pássaros que voam para seus ninhos. Então, quem é que me pode dizer o que está aqui escondido?
Todos os habitantes pensavam que Nasrudin tinha um ovo na sua mão, mas a resposta era tão óbvia, que ninguém quis passar vergonha diante dos outros.
E se não fosse um ovo, mas algo muito importante, produto da fértil imaginação mística dos sufis? Um centro amarelo podia significar algo do sol, o líquido em seu redor talvez fosse um preparado alquímico. Não, aquele louco estava a querer fazer alguém passar por ridículo.
Nasrudin perguntou mais duas vezes, e ninguém respondeu.
Então ele abriu o lenço e mostrou a todos o ovo.
- Todos vocês sabiam a resposta - afirmou. - E ninguém ousou responder.

Reflexão: "É assim a vida daqueles que não tem coragem de arriscar: as soluções são dadas generosamente por Deus, mas estas pessoas sempre procuram explicações mais complicadas, e terminam não fazendo nada."

Fonte: Contos Sufi de Nasrudin

2.A Mulher Perfeita

Certa tarde, conta uma antiga história sufi, Nasrudin tomava chá e conversava com um amigo sobre a vida e o amor.
- "Por que você nunca se casou, Nasrudin?", perguntou o amigo.
- "Bem", respondeu Nasrudin, "para dizer a verdade, passei toda a minha juventude a procurar a mulher perfeita. No Cairo conheci uma moça linda e inteligente, com olhos que pareciam olivas pretas, mas ela não era muito cortês. Depois, em Bagdá, conheci uma mulher de alma generosa e amiga, mas não tínhamos muitos interesses em comum. Muitas mulheres passaram pela minha vida, mas em cada uma delas faltava alguma coisa, ou alguma coisa estava demais. Então, um dia, eu a conheci. Era linda, inteligente, generosa e bem-educada. Tínhamos tudo em comum. Na verdade, ela era perfeita".
- "E então", replicou o amigo de Nasrudin, "o que aconteceu? Por que você não se casou com ela?".
Pensativo, Nasrudin sorveu mais um gole de chá e concluiu:
-“Infelizmente, parece que ela estava à procura do homem perfeito”.

Reflexão: “Como Nasrudin, quase todos nós queremos encontrar a perfeição fora de nós mesmos. Criamos em nossa cabeça a imagem ideal da mulher ou do homem que buscamos, projetamos essa imagem em cima do namorado ou namorada, da esposa ou marido, e queremos que ele ou ela corresponda a essa imagem. Ao alimentar essa expectativa utópica, perdemos a capacidade de entender e gostar do ser humano real ao qual nos ligamos. E, muitas vezes, como ele ou ela não podem corresponder a essa expectativa - pelo simples fato de que ela é produto da nossa idealização e dos nossos desejos fantasiosos -, acabamos, frustados, por rejeitar a pessoa com quem nos relacionamos, quase sempre sem ter sequer "conhecido" essa pessoa. Com uma mulher aconteceu algo desse tipo. Passou cinco anos casada, e deixou o marido quando percebeu que ele não se encaixava no modelo de príncipe encantado que ela cultivara desde a infância. Ele se casou novamente com outra mulher. Tempos depois, ao ouvir a nova esposa do seu ex-marido falar da vida feliz que levava com ele, e de todas as boas qualidades que faziam dele um esposo excepcional, a mulher - ainda solitária - ficou perplexa: "Parecia que ela falava de uma pessoa que eu nunca conhecera."
Certo, ela nunca o conhecera de fato, porque cada vez que olhara para ele, era capaz de enxergá-lo, mas não de vê-lo. Ao esperar que ele correspondesse ao modelo idealizado de homem que ela cultivara em sua cabeça, perdera contato com a realidade do homem com quem se casara. Uma realidade que, possivelmente, podia ser até muito melhor do que a do modelo sonhado. Porém diferente.”

Fonte: Conto Sufi- Histórias de Nasrudin -Edições Dervish

Um comentário:

Faide disse...

Deus admira a ousadia de seus filhos ... quando bem direcionada óbvio rs ... é preciso ousar,fazendo escolhas, encarando a vida...seus acertos e seus enganos...ousar mostrando-se a si mesmo e aos outros o que se é,independente do que acham que somos...o que na verdade nem importa mesmo(o q pensam de nós), para quem ousa amar e aceitar a si própio...
Gilvan,
quanto à perfeição, sou suspeita para falar porque amo o "imperfeito" ... me apaixono pelas "imperfeições" do outro ... imperfeições que fazem sentido ... e se tornam "perfeitas..."

bjo
:)