sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Os medos dos homens

Quando tenho acesso a algo bom, meu desejo imediato é compartilhar, pois não me satisfaço em conhecer ou ter só para mim, o que considero útil e belo na vida, seja um livro, uma música, um filme, um lugar bonito. Alguns podem até achar chato esse compartilhar, mas, parodiando o Chaves: “tenham paciência comigo...”, esse é o meu jeito. Risos.
Como motivação para uma reflexão, encaminhei esta mensagem a alguns amigos e amigas. Tão delicado quanto tratar com mulheres (a maioria) a respeito de idade, peso, estrias e rugas, é difícil fazer com que nós homens encaremos nossos próprios medos.
Repercutiu legal.

Gilvan Almeida

Aos prezados:
Para um exame: será que o autor está correto? Eu concordo plenamente com ele: tenho medo...e não é pouco...risos.
Às Prezadas:
O autor diz que vocês já sabem deste segredo dos homens (que é o 2º de oito). Não sei se todas sabem mesmo. Acho que:
-Umas sabem (descobriram) e sabem que sabem;
-Algumas sabem, percebem algo, mas não têm a consciência de que sabem, e não sabem que sabem;
-Outras não sabem mesmo e continuam acreditando que somos sempre corajosos e poderosos, muitas delas vivendo escravizadas (literalmente até) por esta falsa crença.
abs
Gilvan

Os medos dos homens

“(..) o segundo segredo masculino, é que a vida dos homens é basicamente governada pelo medo. Como os homens não conseguem invalidar a frágil força que conseguiram reunir, mal conseguem admitir para si ou para os outros o quão influenciados são pelo medo. Mas a cura de um homem exige que ele deixe de se sentir envergonhado pelo seu medo. Sempre admirei a liberdade que as mulheres têm de reconhecer seus temores, de compartilhá-los, colhendo desse modo o apoio das outras pessoas. O fato de o homem reconhecer o lugar do medo na sua vida significa correr o risco de sentir-se pouco masculino e de ser humilhado pelos outros. E, assim, seu isolamento aprofunda-se.
Mas este segredo está na boca do povo, meus amigos. Até as mulheres já o descobriram, aliás sempre souberam de tudo. Enquanto pesquisava para este livro, deparei com o artigo: “Os medos secretos dos homens: o que nunca lhe contarão”, na edição de março de 1992 do, isto mesmo, Ladies Home Journal (Jornal da Dona de Casa). Portanto, elas nos descobriram. Na essência, o artigo identifica corretamente os dois medos fundamentais dos homens: o de não estarem à altura do que se espera deles e o medo da provação física ou psicológica.
O medo de não estar à altura do que se espera é o aspecto mais visível (...) – a competição, ganhadores e perdedores e a produtividade como medida da masculinidade. O medo da provação (...) é expressado pelos homens que duvidam da habilidade de defenderem a si próprios e à sua família. (...)

Trecho do livro Sob a sombra de Saturno: a ferida e a cura dos homens, de James Hollis, Editora Paulus.


É um livro mais indicado para os homens, mas as mulheres que querem conhecer melhor o nosso funcionamento, especialmente as fragilidades e as feridas, também devem ler. O autor, James Hollis, é um terapeuta Junguiano que tem diversos livros muito bons. Outro dele que li recentemente foi A sombra interior: Por que pessoas boas fazem coisas ruins?

Mais um trecho para alimentar a vontade de vocês lerem:

"(...) Nenhum homem consegue deixar o lar (dos pais) ou estar no mundo sem sofrer dolorosos ferimentos no corpo e na alma. Mas precisa aprender a dizer: "Não sou minha ferida nem minha defesa contra meu ferimento. Sou minha jornada." As feridas da vida talvez esmaguem a alma ou estimulem a consciência, porém somente a consciência cada vez maior trará luminosidade à jornada.(...)
(...) Para que o homem salve a si próprio, é preciso que retome a jornada da alma.(...) Eh chegada a hora de sermos sinceros por inteiro, de reconhecer o medo, mas viver a jornada.(...) Viver a jornada da alma significa servir à natureza, servir aos outros e servir a esses mistérios do qual somos a experiência. Aí, então, haveremos encarnado o invisível, tornado luminoso este curto episódio entre dois grandes mistérios. (nascer e morrer)"

sábado, 17 de setembro de 2011

Primeiro amor

Gosto dos íntimos ambientes das reminiscências, das lembranças do ontem que preciso retomar, para tentar entender o meu ser hoje. Para o mergulho nas memórias, busco também outras fontes que deixaram marcas, músicas, filmes e fotografias, por exemplo, e ainda em outras, que me fazem reencontrar momentos de dores e alegrias que construíram a minha história até hoje. Os livros têm um papel fundamental neste reviver para compreender melhor, superar, crescer e amadurecer. Tanto os que já li e releio, quanto os novos, como aconteceu recentemente com o livro Primeiro amor, do escritor russo Ivan Turguêniev (1818-1883).
A forma que melhor desenvolvo o aprendizado é visual. Enquanto uns aprendem mais fácil através da audição e outros vivendo a experiência, eu capto melhor o mundo através dos olhos. Assim, o livro já me conquistou pela pintura da adolescente, do pintor impressionista Pierre-Auguste Renoir (1841-1919), na capa. Na conclusão percebi melhor o quanto que a pintura sintetizou o tema central do livro: a adolescente com a mão no queixo, o olhar distante e sonhador, o despertar do coração, o primeiro amor.
Comecei a leitura umas quatro vezes. Gostei do jeito que Turguêniev fez a abertura para que o leitor penetre na essência da obra, mas não passava da página 20, até o dia em que, de repente, em nova leitura, comecei a me sentir como o garoto, identificando semelhanças de sentimentos e situações vividas na adolescência. Então foi o adolescente Gilvan se deliciando na arte do escritor e também nas próprias memórias afetivas, na ingenuidade intensa da fase, dos amores platônicos, tão bem colocados no garoto.
O livro me proporcionou um gracioso reencontro com sentimentos infantis e adolescentes que hibernavam em meu coração. Alguns trechos “pescaram dentro de mim”, como diz a escritora Lygia Fagundes Telles, e trouxeram à superfície, alguns ecos que me faziam parar a leitura, para examinar melhor em que ponto as palavras estavam repercutindo dentro de mim, que sentimentos estavam sendo mexidos. Neste trecho a seguir, observei e admirei a arte com que o autor utiliza as palavras do personagem, equilibradamente entremeadas de sentimentos de veneração e dor, para se referir ao pai:
“...Estranha influência tinha meu pai sobre mim, e estranhas eram nossas relações. Ele quase não se preocupava com minha educação, mas nunca me ofendia. Ele respeitava a minha liberdade e era até – se posso me expressar assim – cortês comigo ... No entanto, não permitia que eu me aproximasse dele. Eu o amava, eu o admirava, ele me parecia um modelo de homem – e, Deus meu, com que paixão eu me ligaria a ele, se não sentisse constantemente a sua mão, que me afastava! Em compensação, quando queria, ele sabia, quase num instante, com uma palavra, um gesto, despertar em mim uma confiança ilimitada.
Minha alma se abria – eu tagarelava com ele como com um amigo sensato, um conselheiro condescendente... Depois ele me abandonava do mesmo modo repentino – e sua mão me afastava de novo; carinhosa e suave, mas me afastava.
(...) Certa vez - uma única, única vez! -, ele me acariciou com tamanha ternura que quase chorei ... Mas tanto sua alegria como sua ternura desapareceram sem deixar vestígio (...)
Seus raros acessos de boa disposição para comigo nunca eram provocados pelas minhas mudas mas compreensíveis súplicas: eram sempre inesperados.(...)”.
Olhei para mim: vivi isso com meu pai? Não, mas já me encontrei com pessoas que ainda vivem presas em labirintos de conflitantes sentimentos de amor e ódio com relação à figura paterna. São prisioneiras de um tempo que não é contado em minutos, tempo que foi vivido e não passou, e nem passará espontaneamente, na medida em que esse tempo é feito de sentimentos, que precisam ser trazidos à luz da consciência, pelo autoconhecimento, e reconhecidos, sem máscaras, em todas as suas características maléficas e benéficas, com todo o seu conteúdo de dor, abandono, desprezo e solidão. Assim feito, acredito que seja possível, para elas, um renascer, com base no perdão e na reconciliação. Reflexão semelhante pode ser feita com relação à figura materna, quando o conflito maior é com ela.
Outro momento magistral do livro acontece quando ao adolescente é revelado um doloroso segredo, que o autor assim descreve:
“...Não chorei, não me entreguei ao desespero; eu não me perguntava quando e como tudo isso acontecera; não me admirei como eu não percebera, não adivinhara antes. (...) O que eu ficara sabendo estava além das minhas forças; essa descoberta repentina me esmagara ... Estava tudo acabado. Todas as minhas flores haviam sido arrancadas de uma vez, e jaziam em volta de mim, espalhadas e pisoteadas.” Vejam que beleza a forma metafórica com que Turguêniev descreve a dor do triste fim.
Às vezes leio com alegria e encantamento determinadas palavras, que me fazem ver (penso eu) a essência e a arte do coração do escritor, como estas em que Turguêniev descreve, também em forma de metáfora, o amadurecimento do ser humano e o valor das paixões da juventude:
“...quando sobre minha vida já começam a se estender as sombras do entardecer, o que me restou de mais fresco, mais precioso, do que as lembranças daquele tão fugaz, tão rapidamente passageiro temporal primaveril?”.
E também quando diz: “...Ela se arrancou de mim e se afastou. Eu também me afastei. Não sou capaz de transmitir o sentimento com o qual me afastei. Eu não gostaria que ele se repetisse algum dia; mas me consideraria infeliz se jamais o tivesse experimentado...”
Esta é uma das grandezas da literatura: fazer-nos pensar, sentir, reviver dores e amores, penetrar em um mundo paralelo de magia e encantamento, sonhar acordado...

Gilvan Almeida

Título do livro: Primeiro amor
Autor: Ivan Turguêniev
Editora: L&PM pocket plus
Publicação: verão de 2008
Contra-capa:
O primeiro amor, esse sentimento avassalador e intoxicante, que paralisa e faz sofrer, se desdobra, nas mãos de Ivan Turguêniev (1818-1883), na história de um amor platônico. O grande autor russo abraça esse sentimento universal como ninguém e cria um dos seus mais festejados livros.
Vladimir Petróvitch, um garoto de 16 anos, cai de amores pela vizinha, Zinaída Alexándrovna, de 21 anos, filha de princesa e dona de uma beleza arrebatadora. Mas o destino de amores platônicos todos sabem qual é ... E Turguêniev, na sua genialidade, soube ir além.
Publicado em 1860, Primeiro amor reflete todo o lirismo e o frescor da primeira vez que o coração acelera por alguém.

sábado, 10 de setembro de 2011

Os dois 11 de setembro

Desde que soube com mais detalhes do golpe militar no Chile (11.09.1973), em 1974, ano-base de minha formação teórica político-ideológica e médica (estava iniciando a Faculdade de Medicina), comecei a estudar a cultura e a política daquele país, especialmente através dos poetas Pablo Neruda, Violeta Parra, Gabriela Mistral e Isabel Allende; do músico Vitor Jara (morto pelos militares, sob tortura, no Estádio Nacional de Santiago, transformado em prisão durante o golpe) e do político Salvador Allende. Lembro que, a cada conhecimento que adquiria a respeito das verdadeiras razões do golpe e da participação decisiva dos Estados Unidos da América, para que Pinochet e sua quadrilha derrubassem o governo democraticamente eleito de Allende, mais crescia em mim a consciência da opressão e exploração política e econômica em que viviam (e ainda vivem) os povos do, à época, chamado 3º mundo. Ficou claro que sendo o primeiro governo latinoamericano, declaradamente socialista, eleito pelo voto popular, e com todas as medidas de proteção, incluindo a nacionalização, das riquezas do patrimônio chileno, especialmente dos minérios, era um “mau exemplo” muito grande para os povos oprimidos, o que fez com que o imperialismo “cortasse o mal pela raiz”, com o custo de milhares de vidas humanas e de tantas outras barbaridades que recaíram sobre o povo chileno e de outros países latinoamericanos. Desde aquela época, anualmente, em 11 de setembro, solidarizo-me com o povo chileno e com todos os que carecem de pão e liberdade em seu mais amplo sentido. Lembro aqui de Violeta Parra, que disse: “Os famintos pedem pão; chumbo lhes dá a polícia.” Estamos vendo a mídia global derramando em nossas mentes toda uma visão excessivamente dramática, superficial, e, em muitos pontos, tendenciosa, sobre os 10 anos do 11.09.2001. O que poderia ser uma justa homenagem às famílias e aos inocentes cidadãos que morreram nos atentados, o poderio militar-industrial transforma em uma intensificação do papel de vítima inocente dos Estados Unidos, promovendo uma catarse nacionalista no povo, alimentando a visão de que a guerra é a solução, ao mesmo tempo em que tenta esconder, ou subdimensionar, que o contribuinte é quem paga as contas das guerras, com vidas e dólares, e o capitalismo lucra. Quase nenhuma palavra sobre os 38 anos do 11.09.1973. Dentre as raras exceções, encontrei este artigo, no site Carta Maior, que compartilho com os que se interessam pelo tema.

Gilvan Almeida
P.S. Na foto, o Presidente Salvador Allende,pouco antes de sua morte, comandando a defesa no interior do Palácio governamental de La Moneda, durante o golpe.


Dois 11 de setembro

Luis Hernández Navarro - Correspondente da Carta Maior na Cidade do México

No dia 11 de setembro de 1973 um golpe militar derrubou no Chile o governo do socialista Salvador Allende. A partir desse momento, com o apoio dos falcões de Washington, caiu sobre a maioria dos países da América Latina a noite sombria das ditaduras militares, a repressão e o desmantelamento das conquistas sociais. O Chile se converteu no grande laboratório neoliberal de onde seriam exportadas suas políticas para todo o mundo. Sacrificando Allende se quis frear as lutas de libertação no continente.

O 11 de setembro de 2001, o ataque às Torres Gêmeas em Nova York serviu como pretexto para que o governo de George W. Bush fizesse da guerra contra o terrorismo o instrumento principal para instaurar um novo poder constituinte. No calor da tragédia, os EUA fixaram uma nova doutrina de segurança nacional na qual advertiram que não tolerariam desafios ao seu poder, defendem a ação militar solitária em defesa da unidade nacional, sustentam o direito de efetuar ataques preventivos em qualquer parte do mundo e advertem que a dissuasão contra inimigos que “odeiam os EUA e tudo o que representam” é inútil.

Os dois 11 de setembro são datas que marcam o início de ofensivas do Império para reforçar seus interesses e abrir no continente americano e no Oriente Médio um novo ciclo de dominação e de acumulação de capital. No primeiro caso, o golpe de Estado serviu para frear o avanço da esquerda e das forças nacional-populares no Cone Sul, aprofundar a penetração do capital estadunidense e ampliar a presença militar. No segundo, permitiu à Casa Branca, com o pretexto do combate ao fundamentalismo religioso, avançar no controle dos recursos petroleiros no Oriente Médio e fazer da guerra parte do ciclo de expansão e consolidação da globalização neoliberal. Seu objetivo foi impor uma nova ordem internacional unilateral; estabelecer, pela lógica do fato consumado, um governo autoritário da globalização.

Os dois 11 de setembro reafirmaram o “excepcionalismo” estadunidense. Em 1787, James Madison, conhecido como o “pai da Constituição” dos Estados Unidos, assinalou que o objetivo principal do governo devia ser “proteger a minoria opulenta da maioria”. Em plena Convenção Constitucional, expressou que temia que o número cada vez maior de habitantes que sofriam as desigualdades da sociedade “suspirasse secretamente por uma distribuição mais equitativa dos bens”. A democracia, sentenciou, devia ser reduzida.

Nessa época, outro dos “pais fundadores” desse país, Thomas Jefferson, afirmou: “Estou persuadido que nunca houve nenhuma constituição tão bem calculada como a nossa para a expansão imperial e o autogoverno”.
Quase dois séculos depois, primeiro Richard Nixon e depois George W. Bush se empenharam em tornar realidade em escala planetária a missão que Madison atribuía ao governo e que Jefferson atribuía à Constituição de seu país.

A 38 anos do primeiro 11 de setembro e dez do segundo, na América Latina os povos resistem. Derrubaram as ditaduras militares da década dos setenta e meados dos oitenta e abriram a porta para que candidatos de centro-esquerda ganhassem as eleições. Antes do triunfo eleitoral, já tinha se produzido uma vitória cultural. O que o Império quis evitar com o Golpe de Estado no Chile renasceu por outras vias. As aventuras imperiais de Washington no Oriente Médio debilitaram o controle sobre a área que era considerada o quintal dos Estados Unidos.

Os governos progressistas na América Latina impulsionaram um processo de reconstrução da arquitetura do poder e da geopolítica na região. Há no continente uma redefinição profunda das relações e da inserção com os Estados Unidos, que se expressa tanto no rechaço das políticas da Casa Branca como no surgimento de um novo tecido institucional para favorecer a integração regional. A Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) foi torpedeada e, no Equador, não se renovou o contrato para que os EUA utilizassem a base militar de Manta. Também na contramão de Washington, a solidariedade com Cuba e as relações diplomáticas ativas com o Irã tem sido uma constante. O investimento chinês cresceu vertiginosamente. Com dificuldades, uma proposta pós-neoliberal abre caminho na região.

Ironias da história, dois 11 de setembro depois, o legado de Salvador Allende na região está mais vivo do que nunca.

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18425

Leia mais sobre o tema:

1.A vítima 0001 dos atentados do 11 de setembro: a mensagem do Padre Mychal .
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18438&editoria_id=6

No dia 11 de setembro de 2001, a coberta marcada com a inscrição “Vítima 0001” continha o cadáver do padre Mychal Judge, um capelão católico do Departamento de Bombeiros de Nova York. A sua foi a primeira morte registrada por causa dos atentados daquela manhã. O trabalho que ele realizou em vida deveria estar no centro das comemorações do décimo aniversário dos atentados de 11 de setembro: paz, tolerância e reconciliação. O artigo é de Amy Goodman.

2.A matemática macabra do 11 de setembro
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=18435&editoria_id=6

A resposta dos EUA ao ataque contra o World Trade Center engendrou duas novas guerras e uma contabilidade macabra. Para vingar as mais de 2.900 vítimas do ataque, algumas centenas de milhares de pessoas foram mortas. Para cada vítima do 11 de setembro, algumas dezenas (na estatística mais conservadora) ou centenas de pessoas perderam suas vidas. Mas essa história não se resume a mortes. A invasão do Iraque rendeu bilhões de dólares a empresas norteamericanas. Essa matemática macabra aparece também no 11 de setembro de 1973. O golpe de Pinochet provocou 40 mil vítimas e gordos lucros para os amigos do ditador e para ele próprio: US$ 27 milhões, só em contas secretas. O artigo é de Marco Aurélio Weissheimer.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A relação médico-paciente está na UTI

Hipócrates (460 A.C.- 377 A.C.), médico grego, Pai da Medicina Ocidental, foi o primeiro médico, que conheço, a valorizar a relação médico-paciente dentro do processo de investigação, diagnóstico, prognóstico, tratamento e cura das doenças, além de dar ênfase, em sua filosofia e prática médica, à prevenção das doenças e manutenção da Saúde.
Ao longo dos séculos, especialmente com o advento do capitalismo, quando efetivou-se a mercantilização da doença e da saúde, com a criação e a consolidação do complexo industrial transnacional médico e farmacêutico, a relação médico-paciente foi perdendo espaço para a medicina tecnológica. Observemos, por exemplo, a mudança de valor dos exames diagnósticos dentro de uma consulta médica. Lembro que na faculdade, 1975 a 1980, havia uma máxima, dita por alguns professores, em que acreditei e continuo acreditando, que diz assim: “a clínica é soberana.”, ou seja, em caso de dúvida ou discordância, entre o quadro clínico do paciente e o resultado de um exame complementar, valorizar mais a clínica. Atualmente, os exames, que são denominados complementares, deixaram de ser complementares à investigação clínica, a uma boa anamnese; à criação, desenvolvimento e manutenção de uma boa relação médico-paciente, e adquiriram o papel de atores principais do ato médico, símbolos de status e modernidade médica. Para muitos pacientes, consulta boa é aquela em que são pedidos muitos exames e prescritos muitos medicamentos. O que a maioria não percebe, é que isso, muitas vezes, é uma compensação à consulta “estilo fast-food”, feita no ritmo apressado que o mundo moderno instalou em todas as atividades humanas, mas que revela na essência, ou melhor, desnuda, também, as nossas deficiências de formação profissional.Transferimos, ou nos fizeram transferir, já desde a formação universitária, a arte médica de Hipócrates, de Paracelso, de Samuel Hahnemann e tantos outros médicos notáveis, para a medicina das máquinas e dos medicamentos miraculosos.
Podemos culpar somente os médicos por essa transformação? por uma medicina que, paradoxalmente, vangloria-se de tanto desenvolvimento, mas que não vemos, na realidade do povo carente? Não; mas, por estarmos na linha de frente, junto à população, caem sobre os nossos ombros responsabilidades que deveriam ser cobradas dos distintos níveis da gestão governamental da Saúde Pública. E os lucros dos Planos de doenças, da indústria médica-farmacêutica e da mídia, que “vende a imagem da moderna medicina”, cada vez maiores.
Assim, o médico, hoje, tem somente um papel de intermediário entre o doente e os clarividentes exames diagnósticos e as drogas milagrosas. A relação médico-paciente está em extinção, pois ela não é construída se não houver o tempo necessário para a aproximação e o conhecimento mútuo entre o profissional e o paciente. A medicina está perdendo seu grande elo com o ser humano.
Samuel Hahnemann, na sistematização do modelo terapêutico homeopático colocou como fundamentos para a nova prática médica, uma filosofia homeopática, um estudo aprofundado dos medicamentos homeopáticos e restaurou, para o ato médico, a anamnese criteriosa e a relação médico-paciente.
Dentro deste princípio fiz um estudo, em diversos sites, sobre a visão de alguns autores sobre a relação médico-paciente. Selecionei alguns para vocês.

Gilvan Almeida

“A maior queixa das pessoas a respeito de seus médicos é de que eles não as ouvem. Ouvir significa não apenas quais os seus sintomas, mas também o que eles (os sintomas) significam para os pacientes.”
Eric Cassell (The Healer's Art)

“Enquanto seu papel como curadores de doença é bem conhecido, seu papel como cuidadores (de pessoas) permanece obscuro.”
Eric Cassell (The Healer's Art)

“Tão importante quanto conhecer a doença que o homem tem, é conhecer o homem que tem a doença”.
William Osler

“A medicina não é apenas uma Ciência, mas também a Arte de deixar nossa individualidade interagir com a individualidade do paciente”.
Albert Schweitzer

“... Devemos todos ter em mente que o remédio mais usado em medicina é o próprio médico, o qual, como os demais medicamentos, precisa ser conhecido em sua posologia, reações adversas e toxicidade.”
Michael Balint (O médico, seu paciente e a doença)

“As ações da Medicina ligam essas duas pessoas (médico e paciente). É a natureza dessa ação na presença da relação de cura que dá à Medicina um caráter especial dentre as atividades humanas.”
Pellegrino & Thomasma (A Philosophical Basis of Medical Practice)

“... O tempo é fundamental na relação médico-paciente. Para o doente, é muito mais importante o tempo psicológico do que o tempo do relógio.”
Genival Velloso de França (Flagrantes Médico-Legais)

“A Medicina de hoje transforma o médico num especialista frio e impessoal, que recebe seus clientes transferidos, muitas vezes, daqueles com quem mantinham laços fraternais que uniam as famílias e as aconselhavam.”
Genival Velloso de França (Flagrantes Médico-Legais)

“Hoje já não vivemos a época em que a ciência médica era apenas uma arte pessoal e íntima, numa relação estreita entre médico e paciente. A sociedade interveio entre um e outro e a Medicina socializou-se.”
Genival Velloso de França (Flagrantes Médico-Legais)

“O paciente é reduzido ao papel de objeto que se conserta, mesmo que não tenha qualquer possibilidade de sair da oficina - esqueceram-se de que ele poderia ser uma pessoa a quem se ajudaria a curar, ou a capengar a seu modo na natureza.”
Ivan Illich (A Expropriação da Saúde)

“O médico que vê o seu papel apenas como curador de doenças ou lutador contra a morte fica, geralmente, sem esperanças. O médico que sabe ser sua função ajudar os enfermos ao limite de sua habilidade tem condições de oferecer algo ao paciente.”
Eric Cassell (The Healer's Art)

“Eu estou sugerindo que um paciente esclarecido é aquele no qual o processo consciente foi conectado com o processo corporal.”
Eric Cassell (The Healer's Art)

“Mas, para que a informação seja útil, o médico precisa compreender as preocupações do paciente - compreender não apenas qual é a questão, mas o que a questão significa.”
Eric Cassell (The Healer's Art)

Fonte: http://www.luizrobertolondres.com.br/ecos/busca.asp

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

2ª guerra mundial: dicas de filmes e livro

Dentre os assuntos que são de meu interesse desde a infância, destaco a História. Recebi bons estímulos dos professores de história do Acre, do Brasil e Geral, no período em que estudei no Colégio Acreano (primeiro ginasial ao segundo científico), as professoras Maria Martins e Ester Maia, e o Professor Manoel Lima (Neo).
Agosto é um mês em que, anualmente, lembro da II guerra mundial por causa das explosões das bombas atômicas em Hiroshima (dia 06) e Nagasaki
(dia 09), no Japão, em 1945, uma das maiores covardias que um poderio militar fez com um país já vencido militarmente. Ainda hoje fico indignado com tamanha falta de compaixão, farsescamente justificada como em nome da liberdade, quando na realidade foi para demonstrar para a União Soviética, quem é que mandaria no mundo a partir dali... E até hoje nenhum pedido de desculpas às famílias dos mais de 300.000 inocentes civis mortos. Foi como se tivessem eliminado vermes.
Meus estudos têm se dado principalmente através de livros e filmes, quase sempre abordados pelo ângulo dos aliados e, principalmente, dos judeus, proporcionando-me já alguns conhecimentos das visões histórica, econômica, política, cultural e médica do tema.


Tenho carência ainda de conhecer mais a forma como foi vivida aquela guerra, pelos povos orientais, russos, africanos e sul-americanos, além de ciganos, homossexuais, doentes mentais e outras minorias.
Recentemente encontrei estas três referências sobre a 2ª grande guerra, que indico para quem se interessa pelo assunto.


Gilvan Almeida

1.Cine-documentário: A arquitetura da destruição


Vi este filme por acaso, em um canal da Sky, e fiquei impressionado com a “requintada e detalhada” preparação da Alemanha para os “1.000 anos de glória do III Reich”, que Hitler sonhava. O arquiteto da destruição cercou-se de profissionais de diversas áreas, industriais, cientistas e artistas, para criar um novo padrão nos campos da arquitetura, do urbanismo, das artes, dos esportes, das ciências e tudo o que pudesse expressar a superioridade da raça ariana. Especial destaque ele deu à propaganda e ao marketing.
A seguir um resumo do filme:


A ARQUITETURA DA DESTRUIÇÃO
DIREÇÃO: Peter Cohen
NARRAÇÃO: Bruno Ganz
Suécia 1992 - 121 minutos


RESUMO
Este filme é considerado um dos melhores estudos sobre o Nazismo. Lembra que chamar Hitler de artista medíocre não elimina os estragos causados por sua estratégia de conquista universal. O arquiteto da destruição tinha grandes pretensões e queria dar uma dimensão absoluta à sua megalomania. O nazismo tinha como princípio fundamental embelezar o mundo, nem que para isso tivesse que destruí-lo.
Esse documentário traça a trajetória de Hitler e de alguns de seus mais próximos colaboradores, com a arte. Muito antes de chegar ao poder, o líder nazista sonhou em tornar-se artista, tendo produzido várias gravuras, que posteriormente foram utilizadas como modelo em obras arquitetônicas.
Destaca ainda a importância da arte na propaganda, que por sua vez teve papel fundamental no desenvolvimento do nazismo em toda a Alemanha.
Numa época de grave crise, no período entre guerras, a arte moderna foi apresentada como degenerada, relacionada ao bolchevismo e aos judeus. Para os nazistas, as obras modernas distorciam o valor humano e na verdade representavam as deformações genéticas existentes na sociedade; em oposição defende o ideal de beleza como sinônimo de saúde e conseqüentemente com a eliminação de todas as doenças que pudessem deformar o "corpo" do povo.
Nasce assim uma "medicina nazista" que valoriza o corpo, o belo e estará disposta a erradicar os males que possam afetar essa obra.
Do ponto de vista social, o embelezamento é vinculado diretamente à limpeza. A limpeza do local de trabalho e a limpeza do próprio trabalhador. Os nazistas consideram que ao garantir ao trabalhador a saúde e a limpeza, libertam-no de sua condição proletária e, garantem-lhe dignidade de burguês, eliminando portanto a luta de classes.
A Guerra é vista como uma arte. Com cenas de época, oficiais, mostra-nos a visita de Hitler à Paris logo após a ocupação: O Fuher chega de avião durante a madrugada, visita a Ópera, o Arco do Triunfo, alguns prédios imponentes. Volta para a Alemanha no mesmo dia.
O domínio sobre a França, Bélgica, Holanda possibilitaram aos nazistas a pilhagem de obras de arte. Em 1941 a conquista da Grécia; nova viagem de Hitler, que tinha na beleza da antigüidade um de seus modelos.
O filme dedica ainda um bom tempo à perseguição e eliminação dos judeus como parte do processo de purificação, não só da raça, mas de toda a cultura, mostrando o processo de extermínio. É interessante perceber que, durante toda a guerra, mesmo no período final com a proximidade da derrota, os projetos arquitetônicos do III Reich tiveram andamento, pretendendo construir a nova Berlim, capital do mundo.
Fonte: http://www.historianet.com.br/conteudo/default.aspx?codigo=102

2.Literatura:


Triângulo rosa: Um homossexual no campo de concentração nazista


Autores: Jean-Luc Schwab
Rudolf Brazda


Este livro me trouxe informações sobre a preparação e a execução da perseguição de homossexuais, antes e durante a 2ª guerra, incluindo as bases jurídicas e ideológicas que os nazistas utilizaram para a prisão e extermínio de muitos. Escrito com base no relato biográfico de Rudolf Brazda e intensa pesquisa histórica que o autor fez em arquivos militares, bibliotecas e museus, especialmente na Alemanha, França e na antiga Tchecoslováquia.
Assim como os judeus eram identificados pela estrela amarela bordada no uniforme de prisioneiro, os homossexuais eram obrigados a usar um triângulo rosa, daí o título do livro.
Destaco alguns trechos:


“(...) Da aurora dos seus 97 anos, Rudolf Brazda nos deixa aqui um testemunho sem igual, raro, sustentado por um rigoroso trabalho de pesquisa histórica. Da ascensão do nazismo na Alemanha à invasão da Tchecoslováquia, da despreocupação no início dos anos 1930 ao horror do campo de concentração de Buchenwald, esta obra revela em detalhe, pela primeira vez, as investigações policiais que visaram inúmeros homossexuais no Estado nazista. Também aborda, com tato e sem tabu, a questão da sexualidade num campo de concentração. Esta é a história de um triângulo-rosa.”

-“...O que aconteceu (no nazismo) é testemunho de um prejuízo infinito para a esfera da solidariedade entre tudo aquilo que tenha uma face humana. Nesse desencadeamento extremo de elementos contrários às tradições do pensamento e ao funcionamento normal das sociedades, colocou-se de repente a questão da norma das relações sociais. A fronteira entre a normalidade e a anormalidade viu-se abolida. A diversidade da espécie humana tornou-se fator de incômodo. A consciência individual dissolveu-se no coletivo; a burocracia ambiente elevou o desprezo a norma de relacionamento, a irresponsabilidade a norma de consciência, a força a norma de ação e o crime a norma de saúde social e racial. (...) Marie-José Chombart de Lauwe – Presidente das Fundação pela Memória da Deportação.

-Fedem das seine – palavras do idioma alemão escritas no portão central de entrada do campo de concentração de Buchenwald, que significa “a cada um o que merece.”

3.Filme longa-metragem:


Chuva negra: a coragem de uma raça


Sou admirador de filmes orientais, especialmente japoneses e chineses. Desde que soube da existência do filme “Chuva negra, a coragem de uma raça”, do diretor japonês Shohei Imamura, há mais de 20 anos, comecei a procurá-lo, até recentemente adquiri-lo. O título do filme refere-se à chuva negra que caiu sobre Hiroshima, após a explosão da bomba atômica, decorrente da combinação de água, poeira e radiação.


Sinopse: Cinco anos depois da explosão da bomba atômica em Hiroshima, vários moradores de uma vila ainda sofrem os efeitos da radiação. Entre eles, estão o Sr. e Sra. Shizuma, tutores da sua sobrinha Yasuko. Aparentemente, ela não demonstra qualquer doença, embora tenha sido exposta à chuva negra (...). O filme acompanha não apenas os efeitos físicos, mas sobretudo os psicológicos que recaem sobre os sobreviventes, sabedores que, a qualquer momento, podem manifestar algum tipo de doença. Obra-prima indiscutível do cinema japonês.


sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Cara, alma e coração

Já acreditei plenamente no ditado popular que diz assim: “Quem vê cara, não vê coração.” Hoje entendo que depende de quem olha, pois há diversas formas de se fazer uma “leitura” do coração e da alma do ser humano, como esta que estou aprendendo dentro da homeopatia: “É a linguagem corporal que revela a verdade. O paciente não a percebe e os sintomas objetivos perceptíveis pelo médico observador atento equivalem à apresentação do homem interior. James Tyler Kent (1849-1916), médico e filósofo homeopata, disse: “...O enfermo real é anterior ao organismo enfermo. (...) vontade e entendimento constituem o homem. Quando vontade e entendimento operam em ordem, temos o homem em saúde. (...) A vontade se expressa na face, seu resultado se enxerta na fisionomia (...) A fisionomia, assim, expressa o coração.””
Também o escritor russo Ivan Turguêniev (1818-1883), em sua obra prima Primeiro Amor, chega a esta mesma conclusão: “(...) não dá para disfarçar (...) o que está na alma está no rosto.”


Gilvan almeida

sábado, 6 de agosto de 2011

A praga do convencimento

Partindo do princípio de que somos iguais perante as leis dos homens e de Deus, considero uma ofensa aos direitos humanos toda forma de discriminação, preconceito, estigmatização ou qualquer outra manifestação que possa humilhar e causar sofrimento a um ser humano.
Encontrei muito do que penso neste texto, por isso resolvi divulgá-lo. Observem que foi publicado em 2.000 e, pelos temas que traz, parece que foi ontem.
Gilvan Almeida

A praga do convencimento
Por Nilton Bonder

Há poucos dias, o Papa tocou numa antiga ferida do mundo ocidental, pedindo perdão pelos crimes cometidos em "nome de Deus". Nunca ficou tão claro politicamente o significado do terceiro mandamento, "não tomarás o nome de teu Deus em vão". Em particular, foram lembrados os crimes cometidos a serviço da "verdade": a intolerância e violência contra dissidentes, guerras religiosas, violência e abusos dos Cruzados, e os métodos cruéis utilizados pela Inquisição.
Não há dúvida da importância deste gesto na luta fundamental contra o desejo de "convencer" e "converter". A idéia que norteia nossa civilização ocidental é que, para um lado ter razão, o outro tem que necessariamente estar errado.
Conta-se que um rabino foi certa vez consultado sobre um litígio. Uma das partes envolvidas apresentou seu caso e o rabino aquiesceu: "você tem razão". A outra parte também apresentou sua argumentação e o rabino reconheceu: "você também tem razão".
Atônito, o assistente que o acompanhava, questionou: "isto é um litígio, como pode ser que este tenha razão e aquele também?". O rabino concordou: "você também tem razão".
Exige sabedoria resgatar o rabino da patética condição de alguém que concorda com qualquer argumentação, e compreender o seu ensinamento acerca de uma "razão" que não é indivisível ou única. Para nossa dificuldade, a realidade é sempre composta de vários certos. A democratização do "certo" é talvez o mais importante ato de cidadania e espiritualidade de nossos tempos.
Mais importante do que a memória e o julgamento do passado, talvez seja a capacidade de identificar em nosso tempo as atitudes que ainda hoje representam as forças do convencimento. Elas estão por todas as partes, travestidas de intolerância, proliferando em todas as religiões, com as mais diversas formas de fundamentalismos, fazendo-se o uso da linguagem do "convencimento" ou do "auto-convencimento".
Por mais de uma década, as tradições afro-brasileiras enfrentaram uma guerra religiosa declarada, orquestrada por algumas denominações evangélicas. O resultado, tal qual um Brasil de índios catequizados, foi o abandono de origens e tradições, por conta de outras supostamente "mais civilizadas", mais próximas da "verdade absoluta". Somos contemporâneos de organizações internacionais missionárias, financiadas com a "missão" de evangelizar os judeus. No exterior e no Brasil, crescem cultos dissimulados de "judaicos", com o intuito de trazer judeus, em particular os desgarrados, para conhecer a "verdade", em pleno século XXI.
Talvez mais do que entre judeus, cristãos, muçulmanos ou outras tradições, o mundo no século XXI se divida entre os que "precisam convencer" e os que "não precisam convencer".
São estas as duas religiões que dividem o Ocidente e o Meio Oriente. Os que "precisam convencer" são aqueles que acreditam que a vida é uma caminhada que deve chegar a algum lugar, onde suas vivências e valores serão comparados às vivências e aos valores de outros. Os que "não precisam convencer" não percebem a vida como um mega- "vestibular". Não há primeiros colocados, ou aprovados e reprovados por parâmetros externos e excludentes. Não há salvos, nem perdidos. Mas sim a possibilidade de não sofrer de desespero para os que vivam suas vidas com reverência, integridade e intensidade.
Há neste mundo as pessoas que "vivem e deixam viver", e as que precisam afirmar suas certezas, provando e apontando o "outro" como errado. Um dia iremos concordar que só existe um parâmetro externo para definir o "certo" e o "errado". Certo é qualquer coisa que não queira convencer ou impor a vontade de um sobre o outro. Errado é a postura do convencimento.
Tanto o convencido quanto o que convence são perdedores. O julgamento da vida se baseia em duas listas de acusação: as ocasiões em que fomos convencidos e aquelas em que convencemos. Nossa identidade e nosso senso de presença são experimentados quando não estamos nem na condição de convencidos ou na de convencer. A própria alegria depende do quanto somos convencidos, e do quanto convencemos. Quanto mais convencemos ou somos convencidos, mais tristes e insatisfeitos nos tornamos, maior nosso senso de inadequação, maior nossa insegurança, e maior o nosso medo.
O convencimento nos rouba a vitalidade fundamental de nossa própria raiz, e nos faz dependentes do outro para definir a nós mesmos. O convencimento é uma inveja dissimulada. Hospedeiro do mal, ele se instala em todas as áreas estagnadas e alienadas de nossa vida, e lá deposita suas larvas. Podemos erradicar o "convencimento" do mundo com uma ação "sanitária", cuidadosa e organizada.
Podemos nos educar a ponto de termos "tolerância zero" com a intolerância. E as tradições religiosas têm um importante papel a desempenhar neste sentido, durante o século XXI. O reconhecimento dos erros do passado é um importante passo e, sem dúvida, demonstra maturidade. Mas, ao mesmo tempo, aumenta a responsabilidade. Isto porque a História julgará a todos não pela consciência do erro, mas pela capacidade de evitar repeti-lo.

Nilton Bonder é Rabino da Congregação Judaica do Brasil – Rio de Janeiro

O Globo - Primeiro caderno - Opinião - 23/MAR/2000
http://www.niltonbonder.com/port/port.htm