domingo, 13 de maio de 2012

Crônica de uma saudade

Não me despedi da minha mãe. Em abril de 2003 saí para trabalhar e, à tarde, como habitualmente fazia, ela e meu pai foram caminhar no Parque da Maternidade. Já voltando para casa, cada um com um saco de pipoca na mão, foram brutalmente atropelados por um rapaz em uma bicicleta. Meu pai sofreu algumas escoriações e ela traumatismo craniano. Nunca mais voltou para sua casa, seu lugar sagrado que tanto lutou para construir e manter.
Fui avisado e me dirigi ao Pronto-socorro, onde a encontrei em estado pré-comatoso. Percebi que ela estava balbuciando e aproximei meu ouvido da boca dela, e ouvi suas últimas palavras antes do coma: “quero voltar para casa, me leve para casa”. Dois dias depois faleceu no Fundação Hospitalar.
Não soubemos, até hoje, quem era o rapaz da bicicleta, e nem nos interessa. Já sabemos que não há acaso.
Em 09 de maio de 2009 publiquei no blog um post, onde relatei um acontecimento que vivi em casa, alguns dias após a morte dela. Denominei-o Memórias sentimentais. Reavivando o amor e a saudade que sinto, hoje republico com o título "Crônica de uma saudade".

Memórias sentimentais

Tenho muitas pastas de papelão, cheias de documentos, fotos, cartões de antigos natais e aniversários, textos, frases e tudo o que leio e considero bonito, memórias que me fazem bem aos olhos e ao coração.
De tempos em tempos abro-as, uma a uma, sem algo específico a procurar, somente pelo prazer de encontrar algo que me faça bem e relembre amigos, acontecimentos familiares, às vezes até mesmo algumas dores, e as muitas alegrias já vividas.
Minha mãe tinha caixas, dessas de sapato, lindamente forradas com papéis estrelados e floridos, onde guardava também as suas lembranças, especialmente as que lhe diziam mais ao coração: fotos dos filhos e netos.
Poucos dias após a sua trágica morte em abril de 2003 (até hoje não descobrimos quem a atropelou de bicicleta, no parque da maternidade), minha irmã e meu pai estavam organizando as roupas, as bonecas (ela tinha muitas), os sapatos e outros objetos dela, para doarmos, quando encontraram uma caixa, forrada com um papel de cor azul e estrelas prateadas. Entregaram-me e eu abri, com um sentimento de profunda tristeza e saudade, e a sensação de estar entrando no universo sentimental dela, que há tão pouco tempo estava ali, com ela, ao nosso lado, e naquele momento era só o vazio e a dor.
Um pequeno livro me chamou a atenção. Peguei-o e encontrei na primeira página, escrita com a letra dela, a seguinte poesia:


Quando
Autora: Célia R. Steffens

Quando a saudade chegar,
Quando você sentir sua dor,
Lembre-se que eu estarei sentindo o mesmo.

Quando pensar em mim,
Num instante de solidão,
Lembre-se que de você,
Eu não esqueço por um segundo.

Quando sonhar comigo,
Ao acordar não esqueça,
Que você
É a minha realidade

Quando olhar triste para o mar,
Vendo o sol descer no horizonte,
Lembre-se que também estou aqui,
Vendo o sol se por.

Quando a chuva cair,
Num dia cinzento,
Não esqueça que estarei imaginando,
Você naquele instante.

Quando sentir frio ou medo
De uma tempestade,
Lembre-se que você é minha segurança,
Mesmo estando distante.

Quando sentir falta de meus carinhos,
Quando precisar do meu abraço,
Lembre-se que estarei esperando,
Porque eu também preciso de você.
30.09.1990


Tanto foi o choro que quase não consegui concluir a leitura, imaginando o que a teria impulsionado a copiar uma poesia que, de forma quase profética, descrevia o que estaríamos vivendo 13 anos depois. Meu sentimento foi de ela estar, de um outro plano, me dizendo, naquele momento, palavras de carinho, conforto e conformação.

Gilvan Almeida

3 comentários:

Alma Acreana disse...

Gilvan,
sua mãe era linda! Às vezes parece que todas as mães são nossa mãe também. Obrigado por partilhar coisas tão significativas para nossa vida.
Sempre venho aqui no teu espeço. E pode me puxar a orelha por nem sempre deixar um comentário.

Fraterno abraço!

Luciana Souza disse...

Oi Gilvan
Nossa que relato humano vc trouxe aqui no seu blog, eu fiquei emocionada, e que poesia linda, dá para ver que ela era muito amada mesmo.
Bjos. e uma ótima semana
http://ashistoriasdeumabipolar.blogspot.com.br

Anônimo disse...

Chorei e choro. Me emocionei em cada dor e detalhe. Tudo tão simples e rico. Perda. Encontro. Conforto. Deus te abençõe! Continue sempre tão sensível. Sinto muito, pela sua perda...Kátia Storch Moutinho